8 de Março Especial

Uma mulher no Governo

Tamoios News
Fotos: Jorge Mesquita/TN

 

Por Leonardo Rodrigues

Uma história pode ter vários desfechos. É verdade também que pode-se começar de várias maneiras. Esta por exemplo. Poderíamos começar falando da lateral direito do time feminino do Itaquantuba, em Ilhabela. Ou ainda das dificuldades na infância na cidade de Uruçuca, na Bahia. Pouco dinheiro, quase nenhum estudo, a família buscou na ilha do Estado de São Paulo, um recomeço. Há tantas maneiras. Mas escolho começar pelo sorriso fácil, e o jeito carismático de Maria das Graças Ferreira dos Santos Souza – a Gracinha.

Simpática, trata alguém como já se conhecesse há tempos. O hábito caiçara por gostar de uma boa prosa já é natural. A facilidade na conversa usa em favor para falar do que acredita: estudos, família e…o Corinthians. Sim, ela adora futebol e não perde a oportunidade de falar de seu time do coração.

Hoje, com 55 anos, não tem a política como algo que define sua vida. Apesar de admitir crescer em um ambiente político, já que sua melhor amiga de infância era a filha do prefeito de Uruçuca, e a brincadeira era ajudar confeccionar material de campanha, sua trajetória é marcada pelo trabalho social. Mas vamos usar a ironia do dito popular e “começar a história pelo começo”.

Gracinha chegou com os pais em Ilhabela aos 14 anos. Na cidade nova escolheu como estratégia para fazer novos amigos o futebol (uma paixão até hoje). Através do esporte, Gracinha conhecia e era conhecida pelos moradores do bairro de Itaquanduba.

Já adaptada à nova realidade, as conversas nas rodas de amigos tinha como foco não apenas os jogos, mas as condições em que viviam. “A entrada da nossa rua era um lixo. E aquilo me incomodava”, diz.

Assim, aos 17 anos, a jovem e mais alguns moradores tomaram a iniciativa de mudar a entrada do bairro. O lixo deu lugar para um plantio de flores e plantas, que passaram a redefinir a paisagem do local.

A inquietação por buscar melhorias levou a jovem se aproximar da Associação de Moradores do Bairro. Ela rejeita a ideia que esse possa ter sido sua primeira ação política. “A política não foi a primeira coisa que me atraiu. Meu envolvimento foi com a comunidade”.

Em paralelo com o trabalho no bairro, ela se apaixona. Cinco anos após se mudar para Ilhabela se casa, com 19 anos. Esse capítulo de sua história rendeu três filhos e oito netos.

Festa – A vida de Gracinha ganharia um novo propósito em 1988. Era dezembro e um dia encontrou dois garotos tristes por não terem conseguido pegar senhas em um mercado que presenteava no Natal as primeiras 80 crianças. Dessa situação surgiu a Festa da Criança, e que de lá para cá já se passaram 30 anos, em que todas as crianças do bairro não precisam correr para pegar senha. Correria só por diversão.

O sucesso com a criação da Festa da Criança abriu outra porta à Gracinha em 1993. Um convite da Igreja, para fazer parte da Pastoral da Criança, trouxe novos desafios. “Nosso trabalho era combater o baixo peso e a desnutrição de nossas crianças na época”.

Até então, Gracinha transitava entre os trabalhos com a Pastoral, a organização da Festa das Crianças, e a proximidade com a Associação dos Moradores do Bairro. Foi quando tudo já estava em andamento e ganhava certa rotina, que um convite mudaria a vida de Gracinha novamente. Os então candidatos Laerte Atti e Rubens Maio, chamaram Gracinha para concorrer às eleições como vereadora.

De pois de muito relutar, mas também de insistência dos candidatos, ela aceita, mas com uma condição: não subir em palanque. “Achava que todo político quando subia ao palanque tinha que mentir e isso me assustava. Hoje posso dizer que tinha uma imagem errada, porém, há sim pessoas que fazem mau uso da política, mas acredito que é possível separar o joio do trigo”, avalia.

E assim, sem palanque, sem discursos, Gracinha participou das Eleições de 92. Ela conta que conseguiu até uma boa votação, mas perdeu a vaga por causa do coeficiente eleitoral do partido. Na ocasião o PTR.

Banco de escola – Nas eleições seguintes, outro convite. Não apenas para o pleito, mas também para mudança de legenda. “Foi meu primeiro mandato. Fui a quinta mais votada”, relembra sorrindo, sobre o início da carreira política, com o PSDB. Com isso, viu também a oportunidade para estender suas ações no social e de fazer melhorias para a cidade.

Gracinha toma gosto e é reeleita. No Legislativo atua até 2004. Mas a alegria na vida pública dá lugar para a decepção. “Para mim, a palavra é tudo. Não aceitava na época a maneira que se lidava com as coisas. Sou contra o uso de pessoas para interesses particulares”, desabafa ao justificar sua saída da vida política ilhabelense por oito anos.

Assim, Gracinha usou o tempo para retomar outro sonho e voltar à escola. “Tinha só a 7a série. Precisava mudar essa realidade”, comenta ela que terminou não apenas o ensino médio, mas também foi parar em uma Universidade, e se formou em Gestão Pública.

“Quando vim morar na Ilha as coisas eram muito difíceis, não dava para conciliar trabalho, estudo e cuidados com a família”, explica.

Ferramenta de mudança – Se Gracinha deixou a política, o contrário não aconteceu. Cobranças por um retorno, e pressão de amigos, professores, e igreja insistiriam que ela poderia ser “ferramenta de mudança” na sociedade. Parte dessa pressão, ela atribuiu ao político ilhabelense Luiz Lobo. “Ele veio pedir ajuda para trazer o PSD à cidade. Disse que ajudava, mas sem concorrer a nada”.

Não teve jeito. Com a liderança natural, e o engajamento em tudo que se propõem a fazer, não demorou muito e Gracinha retoma a rotina de campanha. Nas Eleições de 2013, volta a assumir às funções de parlamentar. Mas desta vez o desafio não encerrava com a vitória na urna. O grupo político de Gracinha sugeriu o nome dela como possível concorrente à cadeira de chefe do Poder Legislativo.

“Não estava empenhada a isso. Mas um dia ouvi que para ser presidente da Câmara precisava ser homem, e ter experiência. Foi aí, que realmente eu quis a vaga”, relembra ao considerar ter sofrido descriminação. “Não foi fácil, mas foi um aprendizado”.

Ela crer que a mulher precisa se posicionar e lutar por igualdade. “Falta às mulheres começarem a assumir o papel que é delas. Não quero ser melhor, eu quero é igualdade”, considera.

Quebrar barreiras e superar as expectativas é traço na história de Gracinha. No último pleito, ela recebeu convite de Márcio Tenório para compor sua chapa como vice. “Lembro quando Julia (Tenório) disse ao Márcio para me convidar. Ela disse a ele: ‘se não for ela (Gracinha), eu não estou com você”, comenta.

No caminho até se tornar uma mulher no Governo Municipal de Ilhabela, Gracinha percorreu um longo trajeto. Ela já foi camareira, recepcionista, doméstica, vereadora e hoje, vice-prefeita. No percurso, ela ressalta preconceitos não apenas de homens. “Infelizmente, tem mulheres que não votam em mulheres. É preciso que queriam se superar”.

Depois de saber sobre os anos que trabalhou com o social, de atuar na vida pública, e se colocar próxima à população, questiono Gracinha qual mensagem precisa passar às mulheres atualmente. De pronto, sem pestanejar, ela responde: “Hoje, a mulher deve se conscientizar de seu potencial”.

 

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