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Morador de Ilhabela morre um dia antes de obter autorização da prefeitura para retornar a Ilha

Tamoios News
Se Oscar e dona Celina em caminhada pela Ilha

Por Salim Burihan

A história de seu Oscar Gil, morador de Ilhabela, vem sensibilizando muita gente nas redes sociais. É uma história muito triste e extremamente afetada pela pandemia de coronavírus.

Seu Oscar, de 69 anos, morava na Ilha há 15 anos, deixou o arquipélago para ir ao aniversário de uma sobrinha neta na cidade de Leme(SP), mas não conseguia retornar devido a restrição imposta na travessia da balsa pela prefeitura.

Ele morreu de infarto no dia 27, um dia antes de obter a autorização para retornar a Ilha, após mais de cinco tentativas feitas junto à prefeitura através do aplicativo que libera o acesso as balsas. A autorização para que pudesse retornar foi obtida por uma amiga da família, diretamente com a prefeitura, após explicar a situação do casal. Foi tarde demais…

“Foi uma atitude cruel, insensível e irresponsável por parte da prefeitura. Foram inúmeros os pedidos feitos para a gente retornar, todos negados. Meu marido morreu por causa disso. Ele queria retornar para o seu cantinho em Ilhabela, mas não conseguia”, disse dona Celina, de 65 anos, que vivia há 52 anos com seu Oscar.

Segundo dona Celina, seu marido foi ficando nervoso, cada vez mais estressado e deprimido com as negativas da prefeitura. “Isso tudo levou meu marido a morte. Vamos entrar com uma ação contra a prefeitura por impedir o direito de ir e vir de um morador, que vivia, votava na cidade, que tinha atendimento médico na UBS do Bexiga e amava Ilhabela”, adiantou.

Pelo aplicativo da Prefeitura as respostas eram sempre as mesmas: NEGADO o acesso

“Isso tudo não irá trazer meu marido de volta, mas não posso ficar calada diante desse absurdo que cometeram com um de seus moradores. Não consigo aceitar isso. Ilhabela pelo o que estamos vendo está cheia de veranistas, segundo comentários, quem tem dinheiro está conseguindo entrar”, argumentou Celina.

Drama

Fotos de Oscar e Celina Gil reproduzidas do aquivo de Celina em sua página nas redes sociais

O casal deixou a Ilha no dia 18 de março para ir até a cidade de Leme para comemorar o aniversário da sobrinha neta, Camille, que completaria 3 anos no dia 21 daquele mês.

No dia 20 ficaram sabendo que a prefeitura restringiu o acesso na travessia devido a pandemia de coronavírus, mas a restrição era apenas para veranistas e turistas, não para moradores.

Seu Oscar acreditava que pelo fato de ser morador não teria problemas em retornar até a Ilha. O casal tinha endereço fixo, tem título de eleitor e até carro com placa de Ilhabela.

O casal aproveitou para passar mais alguns dias em Leme para visitar a família e ficar com o filho, cuja mulher está grávida e deverá ter o filho em junho. Trata-se de um menino que receberá o nome de Felipe Oscar, em homenagem ao avô que não terá a oportunidade de conhecer seu primeiro neto.

A partir do dia 22, um domingo, seu Oscar pelo aplicativo da prefeitura começou a solicitar autorização para retornar à Ilha. Segundo Celina, foram várias tentativas, todas negadas pela prefeitura.

“A prefeitura negava, sem dar qualquer justificativa. Tínhamos todos os requisitos exigidos para autorizarem o nosso retorno, mas sempre negavam”, lembra Celina.

Uma amiga dela de Ilhabela decidiu ir até a prefeitura solicitar a liberação. A amiga sabia do drama do casal. Seu Oscar estava ficando nervoso e deprimido com as constantes negativas da prefeitura.

A amiga conseguiu convencer a prefeitura que o casal morava na Ilha e obteve a autorização para que Oscar e Celina retornassem no dia 28, quinta-feira passada.

Segundo Celina, seu marido ficou extremamente feliz com a notícia, chegou até a chorar de alegria ao saber que poderia retornar para sua casa em Ilhabela.

Ouça os áudios de seu Oscar, chorando e feliz ao saber que iria retornar para sua casa na Ilha:

No dia 27, fizeram todos os preparativos, despediram de todos os familiares, arrumaram as malas e foram dormir.

Dona Celina estava dormindo na sala com a irmã e seu Oscar, no quarto. Por volta das 22 horas, Celina ouviu um barulho no quarto. Seu Oscar estava no chão com um dos supercílios sangrando.

Seu Oscar não estava passando bem. “Oscar falou que não sabia o que estava acontecendo com ele. Pediu para ser colocado na cama. Olhou para mim, deu o último suspiro e morreu. Foi constatado um infarto fulminante. Ele mantinha a pressão arterial e o diabetes sempre controlados, mas o infarto foi fulminante”, relatou Celina.

Casal

Seu Oscar e dona Celina estiveram em Ilhabela pela primeira vez em 1973. Jovens, ela tinha 18 anos e ele, 22 anos. O casal se encantou com a Ilha e sempre retornava durante as férias ou folgas de Oscar.

Em 2005, Oscar, que trabalhava como agente de trânsito na capital, se aposentou e decidiu comprar uma casinha para morar na Ilha. Compraram uma casinha simples na rua João Leite dos Santos, no bairro do Bexiga.

“Ele adorava a natureza da Ilha, fazia caminhadas pela orla e gostava de pescar. Não era muito de frequentar a praia. Gostava da tranquilidade e dos amigos que tinha na cidade. Ele era feliz, muito feliz em Ilhabela”, conta Celina.

A atitude da prefeitura, que segundo ela, acabou matando o seu marido, também trouxe um trauma muito grande. “Não sei se retorno mais para lá. Sem ele, nada mais faz sentido em retornar. A atitude da prefeitura acabou com o sonho de duas pessoas que se amavam e apenas queriam passar o resto de suas vidas na Ilha”, disse.

Dona Celina contou que o casal tinha acabado de reformar a casa. “Fomos aos poucos reformando a casa do jeito que a gente podia e queria. É ainda uma casinha simples, mas era o nosso lar, nosso cantinho, nosso sonho de vida…Acabaram com tudo isso, de forma cruel, insensível e absurda”, lamentou.

Prefeitura

Desde o dia 21 de março, é necessário solicitar a autorização de entrada no município, mediante o preenchimento de formulário disponível no site e envio de documentação. Para deixar a ilha, não é preciso apresentar justificativa, mas a prefeitura ressalta que, caso alguém necessite sair, deve obter autorização para a volta, garantindo que não tenha problemas no retorno.

Segundo a prefeitura, a análise dos requerimentos demora, em média, 30 minutos para ser feita. Já os recursos são avaliados em cerca de duas horas. A prefeitura libera a saída de moradores que trabalham em outros municípios, a entrada de pessoas de outros municípios que trabalham na Ilha, prestadores de serviços, ambulâncias e viaturas.

O sistema é considerado muito rígido por moradores e pessoas que possuem residência na ilha. Foram inúmeras as reclamações. As pessoas que possuem segunda residência na ilha criaram um grupo, o Movimento Somos Ilhabela, para discutir com a prefeitura a liberação do acesso na Ilha.

Para Eduardo Gonçalves, que mora na Ilha, está desde o dia 24 tentando retornar, sem sucesso, após ir até a capital resolver um assunto urgente e particular. “Parece que se a prefeitura nega uma vez, todos os outros pedidos são automaticamente negados. É um absurdo isso”, avaliou.

Segundo a prefeitura, mesmo com a retomada das atividades comerciais, a partir do dia 1º de junho, a restrição na balsa será mantida. A prefeitura entende que a restrição é fundamental para impedir a propagação do coronavírus na Ilha.

Ilhabela tem cerca de 35 mil habitantes e 17 mil imóveis, sendo 6 mil de pessoas que possuem segunda residência. A balsa tem atravessado cerca de 900 pessoas por dia em direção até a Ilha. A cidade tem 46 casos confirmados da doença e duas mortes  por Covid-19.

Até o fechamento da matéria, a prefeitura ainda não havia emitido uma nota oficial sobre o caso do senhor Oscar Gil, mas segundo informações, a administração irá apurar o que teria ocorrido e avaliar as medidas cabíveis.