No dia 19 de março, 16 decretos assinados pelo prefeito Felipe Augusto foram publicados no Diário Oficial de São Sebastião, declarando de utilidade pública para fins de desapropriação amigável ou judicial 16 imóveis no bairro Varadouro, sendo 14 na Avenida Vereador Antônio Borges e 2 na Rua Porto Velho. A justificativa do prefeito é que as desapropriações são necessárias “com a finalidade de requalificação da urbanização da orla marítima do Araçá e preservação ambiental do seu mangue”.
Os decretos foram publicados depois que o prefeito enviou à Câmara um Projeto de Lei Complementar para instituir o “Programa de Incentivo à Desocupação das Orlas do Município de São Sebastião”, com pedido de tramitação em regime de urgência. O projeto chegou a ser lido na sessão do dia 12 deste mês, mas foi retirado na sessão do dia 19.
O vereador Giovani dos Santos (“Pixoxó”) entrou com pedido de liminar solicitando a suspensão da votação do projeto e o seu envio para as comissões permanentes. Segundo Pixoxó, a tramitação estaria descumprindo o regimento interno da Câmara. “O projeto de lei complementar não foi enviado às comissões permanentes, violando o devido processo legislativo”, apontou o vereador.
Ele também defendeu que a proposta necessita de “discussões aprofundadas pela casa legislativa e inclusive com a população sebastianense, essa a mais interessada, uma vez que as desocupações objeto do projeto de lei abrangem toda a municipalidade”.
Moradora da baía do Araçá, caiçara de família de pescadores, Izaneide Sales dos Santos conta que na sessão do dia 19 a comunidade da baía do Araçá e apoiadores compareceram na Câmara, preocupados com a possível votação do Programa de Incentivo à Desocupação das Orlas.
“Seria votada uma lei que daria poder para a prefeitura desapropriar áreas da união. Independente da nossa baía do Araçá, se essa lei for aprovada, qualquer outra gestão municipal que entre, e não goste da visibilidade do caiçara na beira do mar, poderá simplesmente desapropriar e pagar para saírem, pois terá uma lei para isso, com aval dos vereadores instalados ali hoje. Sendo que os vereadores não comunicaram isso a nós, uma situação que mexe com a orla de ponta a ponta. No meu ponto de vista, isso é um extermínio da nossa cultura no nosso município. Até porque caiçara é igual peixe, seu lugar é no mar, e não no morro. Conseguimos o acolhimento pela Câmara Municipal, o PL 04/20224 foi retirado da pauta de votações. Porém, fomos surpreendidos no mesmo dia com os decretos assinados pelo Poder Executivo autorizando as desapropriações”, afirma Izaneide.
Ela também relata que recentemente a comunidade se reuniu com o Ministério Público Federal para tratar de outras questões, mas aproveitou para pedir atenção à situação dos caiçaras da baía do Araçá que correm o risco de serem desapropriados.
”Somos uma comunidade caiçara tradicional, de pescadores artesanais. Já somos amparados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (decreto federal 6040/2007), o que nos resguarda de alguma forma desta ação de desterritorialização em massa. Pedimos visibilidade nesta situação, até porque no nosso município não somos os únicos que sofrem por desapropriação“, diz Izaneide.
Morador da baía do Araçá e pescador, Humberto Messias Sales Almeida também não concorda com a retirada da comunidade. “Não acho justo que o prefeito tenha a intenção de fazer uma revitalização da orla, igual ele disse, o que supostamente seria cuidar do mangue, porque os verdadeiros cuidadores do mangue estão aqui, somos nós, pescadores, caiçaras, tradicionais que moram perto do mangue e que cuidam da diversidade que aqui tem. Eu sou contra a desapropriação das casas da baía do Araçá. E alguns moradores estão com medo do jeito que o prefeito abordou, dizendo que aquele que não saísse por bem, teria que sair pela justiça, porque a justiça já tava do lado dele. Estão se sentindo forçados a terem que entregar seu único bem que é sua terra, sua casinha, com medo de não ter onde ficar depois”, afirma Humberto.
Seu Teotônio Nobre de Jesus Filho, também não concorda com as desapropriações. Ele nasceu no bairro, onde mora há 77 anos. “Vivo aqui nessa pescaria, nessa caça de marisco, siri, berbigão e outros mariscos que tem também. Eu sou aposentado, pego para vender, pra ajudar a comprar um negocinho melhor para a casa, pra nossa alimentação”, conta.
O pescador Joel Verissimo do Rego também mora na baía do Araçá. “A gente depende desse ponto aqui porque não vai encontrar outro local melhor pra pescador como tem essa área aqui, com facilidade para jogar o barco na água, puxar, trabalhar com o peixe, vender o peixe, tem toda essa possibilidade. E depois, tirando esse pessoal todo daqui, como eles vão sobreviver? Do quê? Onde vão colocar essas pessoas? Fica complicado. Não tenho intenção de sair daqui não, moro aqui, gosto daqui demais, estou chateado, ouvi dizer que vão desapropriar. Sair daqui pra onde? Pra comprar uma casa no morro? E daí como fica a minha saúde? Aqui eu me sinto bem, estou perto do mar, eu levanto a noite e venho ver a maré como está, se está alta, se está baixa, se está boa para pescar, então tem essa facilidade aqui da gente estar se informando também”, diz Joel.
Morador da baía do Araçá, Silvio Rodrigues de Jesus, 46 anos, diz que sempre dependeu dessa baía para ter sua renda, através da mariscagem, da pesca do vôngole (berbigão), do siri, do guaiá e outros seres vivos que pega para o seu sustento. “É a minha renda principal, o que sempre trouxe o sustento pra mim e pra minha família. Tenho primos que largam rede, que dependem da pesca também ali, meu pai também que marisca o vôngole. Infelizmente a prefeitura está querendo desapropriar nossos caiçaras lá, que dependemos dali, eu acho uma injustiça e estou aqui em prol desse movimento para não retirarem nossos lares, nossa cultura, nossos antepassados, nossas memórias”, afirma Silvio.
Nesta terça-feira (26/03), a comunidade do Araçá está convocando apoio popular em defesa da Baía (“Araçá fica!”) na sessão da Câmara Municipal, às 19h.
A prefeitura de São Sebastião foi questionada sobre as desapropriações, mas não respondeu até o fechamento desta matéria.
Redação/Tamoios News