Primeiro brasileiro campeão do mundo em surfe, Gabriel Medina abriu oficialmente as portas de seu instituto, que vai oferecer programa social e treinamento esportivo
Por Ricardo Hiar, de São Sebastião
A partir da quarta-feira (1), 38 crianças e adolescentes começarão um programa que poderão levá-los ao grupo de elite de uma modalidade esportiva que vem ganhando espaço e notoriedade no Brasil: o surfe. Isso porque eles foram selecionados a participar do Instituto Gabriel Medina, inaugurado nesta terça (31) pelo atleta e sua família em Maresias, na Costa Sul de São Sebastião.
Com investimento pessoal do atleta na ordem de R$ 3,5 milhões, a sede do instituto vai oferecer treinamento similar ao do brasileiro, que foi o primeiro do país a vencer um mundial de surfe. Segundo Charles Saldanha, pai e técnico de Medina, o projeto foi idealizado pelo próprio surfista, como uma forma de devolver para a população da localidade onde ele iniciou a carreira.
De acordo com Simone Medina, que presidirá o instituto que leva o nome de seu filho, esse é o primeiro espaço nesses moldes no mundo. “Não conheço em nenhum outro lugar do mundo um local que vai oferecer tudo o que vamos oferecer aqui”, disse Gabriel Medina.
Para ele, a ação vai gerar possibilidades que ele próprio não teve em sua trajetória, o que pode facilitar para que o grupo atendido tenha êxito no esporte. “Eu não tive essa estrutura que estou podendo colocar hoje para essas crianças. Se tivesse, teria facilitado e sido muito bom. Isso aqui é uma boa oportunidade para todos esses moleques, que sirva de exemplo e seja o início de uma grande mudança”, afirmou o surfista.

Charles Saldanha, Gabriel e Simone Medina na coletiva de imprensa
Medina considera a abertura do instituto como a realização de um desejo antigo. “Estou super feliz, era um sonho meu e da minha família poder ajudar essas crianças e meu esporte. Me sinto orgulhoso de poder realizar hoje esse sonho”, completou.
A mãe de Medina vai além e fala sobre o ineditismo da ação.“Normalmente o pessoal deixa pra fazer isso quando encerra as atividades, quando deixa de praticar o esporte. Ele (Gabriel) fez o contrário, e está lançando isso em pleno auge da carreira. Isso até possibilita que as crianças peguem carona com ele nesse processo”, completou.
Conforme Saldanha, o surfista aplicou seu próprio dinheiro na construção da sede e agora, com o funcionamento, terá o apoio das empresas que tornaram-se parceiras. Também será utilizada na manutenção a lei de incentivo prevista pela legislação brasileira, onde empresários podem contribuir em troca de incentivos fiscais.
A realização e o exemplo
“Você não pode controlar o oceano, mas pode domar suas ondas”. Essa é uma frase que está em destaque logo na entrada do Instituto Medina e é creditada ao atleta. Mas para a mãe do jovem surfista, Simone Medina, o esporte pode, de fato, dar uma direção e “domar” a vida de alguém. Ela afirma que foi por meio da prática esportiva, que conseguiu educar os filhos e direcioná-los para o caminho do bem.
Para Simone, entregar esse centro de treinamento em Maresias é um sonho do filho que acaba de nascer. “É motivo de muito orgulho poder participar da formação de grandes atletas e cidadãos. O esporte foi uma ferramenta que ajudou a criar nossos filhos. Algo que não existe hoje em dia e que queremos resgatar. Queremos dar oportunidade deles darem um bom prosseguimento na vida. Vamos trabalhar com princípios para nortear e dar novos rumos”, afirmou.

Fachada do Instituto em Maresias
Antes de definir o projeto, a família passou por vários institutos, a fim de conhecer estruturas e saber quais as necessidades de público. Apesar disso, Gabriel Medina afirma que sua trajetória foi a maior inspiração para o trabalho.
Ele relembrou a infância com poucos recursos e os sacrifícios que foram necessários para que ele chegasse ao topo do mundo em sua modalidade.
Charles, que também citou tempos difíceis, contou que hoje Gabriel tem uma equipe, e que essa mesma equipe atuará no instituto. “Hoje ele tem uma equipe, que está aqui nesse instituto. O médico, o fisioterapeuta, o preparador físico do Gabriel estão por aqui”, disse Saldanha.
Saldanha conta que o intuito é vir aqui ajudar essas crianças, que são capacitadas pelo surfe. “Que possam ser profissionais amanhã. Vai ter curso de idiomas, tecnologia, natação, treinamento do core”, completou. Para iniciar as atividades, cada aluno selecionado recebeu diversos equipamentos e duas pranchas cada.
Antes de começar os trabalhos, todas as crianças passaram por uma bateria de exames, de modo que tenham condições físicas de realizar todo o processo. “Esperamos que eles saiam daqui melhores de saúde, de formação, para serem campeões no futuro. Nem todos serão campeões porque o campeonato é único e no final só um leva o título, mas vamos ajudar essa crianças serem melhores por elas mesmas a cada dia”, finalizou.

Gabriel Medina fala sobre as perspectivas para o seu instituto
A origem e perspectivas do campeão mundial
Gabriel falou do começo dos seus treinos no surfe. “Eu morava longe, no sertão de Maresias. Mas queria treinar, então pegava a prancha e caminhava bastante até a praia. Foi muito difícil. Meu pai que me ajudou bastante, mesmo não tendo dinheiro suficiente para ir às competições e ver o nível dos outros”. O instituto vai patrocinar as viagens dos integrantes para participação em competições.
Sobre suas expectativas em relação aos resultados, Medina disse que espera que algum deles saia um dia para o mundial. “É para isso que estamos dando esse espaço. A gente sabe que é difícil transformar todos em campeões mundiais. Mas quero enfrentar isso, como enfrentei os desafios da minha vida. Eu acreditei nos meus sonhos, me esforcei, fiz as coisas que precisava e com 20 anos fui campeão mundial. Não teve outro antes. Espero ver um deles competindo comigo um dia campeão mundial”, apontou.
Seleção
O Instituto abre amanhã, mas no ano passado foi promovido um circuito com três etapas, quando qualquer um poderia participar. Os quatro primeiros em cada categoria foram convidados a participar da primeira leva de atletas do Instituto Gabriel Medina. “Todos os que preencheram índices técnicos, entraram. Também chamamos outros, o quinto e o sexto, além de outras crianças do próprio bairro de Maresias”, explicou Charles Saldanha, que será responsável pela parte técnica.
Ao completar 16 anos, esses jovens deverão deixar o instituto e as vagas serão oferecidas a outros. Os critérios dos novos integrantes, ainda estão sendo avaliados, mas pode ser que não sejam mais os quatro primeiros por categoria no circuito, devido ao número de vagas que forem surgindo, a medida que os atuais alunos completem 16 anos. De antemão, a proposta é que o circuito continue para que, com a avaliação de juízes graduados, sejam destacados os novos talentos em potencial. Os primeiros colocados já garantem vaga no instituto.
Objetivos
A família Medina é unânime em dizer que o primeiro objetivo da ação é o esporte. A ideia é que o aluno entre como amador, e saia um profissional. Para tal, eles terão à disposição: academia, piscina, cama elástica, palanque fixo para atletas treinarem, área médica, sala de tecnologia (parceria com Microsoft). Haverá até curso de edição de vídeo, o que permitirá o desenvolvimento de outras áreas de conhecimento.
“As pessoas acham que surfar é pegar uma e ir para o mar. Eu queria ser profissional e pegar a prancha e ir para a praia não é suficiente para isso. Tive que abrir mão de muitas coisas, fazer muitas coisas. Treinar, acordar cedo. Vejo meu amigos curtindo a vida e eu me privei um pouco disso e fui atrás. As coisas não são fáceis”, explicou Medina.
Sobre a idade teto, de 16 anos, o pai do surfista contou que o objetivo é treinar o participante para ser um profissional até essa idade. Saldanha diz que no surfe, aos 16 anos o atleta já está definido e é possível saber se ele têm condições de seguir adiante ou não como profissional.
Caso ele tenha potencial, poderá conseguir patrocinadores e manter os treinos regularmente, mesmo fora do instituto. Simone Medina fez questão de destacar que o grupo não fará agenciamento de atletas. Ela afirmou que qualquer transição que envolva atletas e patrocinadores estão descartadas.