8 de Março Especial

Uma mulher em defesa das mulheres

Tamoios News
Fotos: Jorge Mesquita/TN


Por Leonardo Rodrigues

 
Em um ambiente preto e branco de uma delegacia, o toque feminino da delegada Junia Cristina Macedo demonstra as diversas possibilidades que uma mulher pode chegar, e a sensibilidade em favor da Justiça.

Há dois anos no Litoral Norte, a responsável pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) em São Sebastião, me avisa logo: “Cuidado…eu falo muito”. O humor, e simpatia definitivamente eram as últimas coisas que esperava encontrar ali.

Adianto que sua personalidade não é de alguém que acabara de entrar na Polícia, e desconhece a profissão. Com 46 anos, 20 são dedicados ao trabalho. Apesar dos anos, é notório o entusiamo, e o trato com as pessoas. “Estamos também no cartório de Defesa da Mulher em Ilhabela. E em breve, levaremos uma unidade móvel da DDM na Costa Sul de São Sebastião”, revela orgulhosa.

Mas o que a levara à Polícia? Por que escolheu esta carreira? Ao ouví-la, as perguntas aumentavam. Resolvo ser direto e pergunto se era um sonho ser policial, e que isso não era algo comum. “Não diria que era um sonho, mas tinha que fazer algo que pudesse melhorar nossa sociedade. Senti que precisava fazer algo”.

Maria da Penha – Era estudante de Direito, quando passou no concurso público para escrivã da Polícia. “Mas percebi que não poderia fazer muita coisa”, desabafa. Essa inquietação por fazer algo que pudesse mudar o meio em que vive fez com que ela em dois anos passasse para delegada na capital.

Não demorou muito e Junia foi transferida e começou a comandar a região de São José do Rio Preto, em cidades como Alvares Florença. Seu desempenho a levou à seccional em Votuporanga. Na cidade de Mirasol ficou por 5 anos em plantão a noite, e durante o dia atuava na delegacia do município de Bálsamo.

Foi nessa ocasião que ela viveu um momento especial na carreira. Junia foi convidada em 2005, a participar da elaboração da Lei Maria da Penha. “É considerada uma das melhores leis do mundo”, destaca.

Desde a sua publicação, em 2006, a lei é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres. Além disso, segundo dados de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Lei Maria da Penha contribuiu para uma diminuição de cerca de 10% na taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas.


Rótulos – Durante a conversa, agradável por sinal (que acontecia em uma sala de depoimento), a delegada demonstrava o empenho na profissão para evitar rótulos por ser mulher. “Sempre quis que me enxergassem como profissional”, pontua.

No esforço para não ser rotulada, Junia diz usar em seu trabalho a estratégia de tratar todos com base na lei, e também humanidade. “A força real é a lei, e agir também com bom senso”. Para isso, ela ressalta que é preciso ter principalmente a capacidade em saber ouvir. “É preciso essa capacitação. As pessoas precisam ouvir mais”, comenta.

Junia admite que há preconceito com a carreira policial. “Quando eu entrei, a mulher na polícia era chamada de ‘pantufa rosa’, que servia só para fazer volume e receber um salário. Foi assim que decidi que iria mostrar a diferença. Você sabia que inclusive há um pequeno número de mulheres que tem este preconceito?”.

Ela ressalta que com o passar dos anos, a mentalidade da sociedade mudou com a mulher no mercado de trabalho. “Não que hoje seja perfeito, mas é diferente do que era há 20 anos”. Contudo, a delegada encara o preconceito com mais um desafio a ser vencido, e parte do trabalho.

“Enquanto tem barreiras eu me sinto motivada”, diz ela que admite não gostar de rotina.

Junia descarta qualquer possibilidade de se reprimir para atender modelos pré-estabelecidos, ou tentar agradar àqueles que não acreditam na eficiência do trabalho da mulher na Polícia. “Não preciso vestir um estereótipo masculino para ter respeito dos homens. Não preciso usar um linguajar criminoso para dizer que conheço a estrutura criminosa. O seu trabalho ganha seu respeito”, afirma.

Vítimas – Apesar das convicções, Junia é ciente das dificuldades do dia a dia. Seu trabalho é trazer justiça em casos de agressões e dor. Ela considera que há uma cultura machista. “Infelizmente”.

A delegada relata que as mulheres vítimas de violência doméstica precisam contar com uma rede de apoio do poder público, médicos, e psicólogos, para quem sabe, ter um recomeço. “Muitas vem aqui com a autoestima deteriorada. Há casos das vítimas se sentirem culpadas por apanharem. Há essa cultura de “apanha porque gosta””, lamenta.

Porém, além da vítima, sua sensibilidade a leva também a olhar o acusado da agressão. “Geralmente o agressor também é fruto de um lar violento”. Ela considera que a violência doméstica gera outros tipos de violências, como estupro, o consumo de drogas, e nos filhos possam projetar futuros agressores.

Quando precisa ouvir o depoimento de um suspeito de agressão, ela aproveita o momento para ‘lançar sementes’. “Falo palavras boas, como sementes, acreditando que possa dar fruto. Tento conscientizar o agressor e colocá-lo a pensar no que fez, mas também o que espera para o futuro. Faltam palavras boas hoje em dia”, comenta.

Mercado – A delegada é decidida ao afirmar que a delegacia não é um espaço para a mulher apenas como vítima. “Existe um mercado para a mulher na Polícia. Há setores administrativos, investigativos e operacionais. Qual é a diferença entre um homem e uma mulher?”, indaga.

Prova disso, é que além de Junia, a região conta com outra delegada – Ana Carolina Pereira, em Ubatuba.

Ela avalia que a mentalidade de diretores de departamentos foram mudando desde quando ingressou na Polícia. “A mulher é dedicada no que faz”. Para Junia, a mulher pode-se reinventar e ser o que quiser ser. Inclusive, parte da melhoria da sociedade. “Se tornou cômodo reclamar de uma sociedade e não participar da mudança. É preciso mudar, mas também ser a mudança”.

Percebi que não se trata de uma felicidade aparente, ou mesmo ignorar os desafios do cotidiano. Junia é realizada no que faz justamente por entender, e decidir, que para ser uma mulher autêntica é preciso largar modelos impostos. Sai daquela delegacia livre. Estranho falar isso, né? Mas livre de preconceitos estabelecidos por uma visão arcaica. A delegada me libertou de esteriótipos que vemos em séries de TV mas que não determinam a realidade. Hoje, 8 de março, tenho a convicção de que a mulher é o que ela quer ser.

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