A artista que se iniciou na cerâmica em 2004, traz à tona a história de sua mãe através de suas obras, as ‘Mulheres de Zandoná’ que traduzem a força e a energia feminina
Por Adriana Coutinho
É para indicar uma mulher de Caraguá para ser homenageada no dia 8 de março – na hora, já me veio aquela figura forte e ao mesmo tempo tão doce e cheia de energia boa. “Eu já tenho” – respondi sem nem ter que pensar. Lembrei do seu sorriso ao longo de tantos anos de convivência e de sua garra desde o início, quando a conheci, em 2004.
Da infância tenra, úmida e fértil, pelas mãos de sua mãe, parteira de sangue índio, viu nascer crianças e lembra de barro virar panela, cozida no seio quente da terra.
“A mulher é um ser especial, místico. Cria outra pessoa dentro de si e a traz para o mundo. Mulher é muito especial. Aprendi com minha mãe a não desistir nunca. Ela criou 13 filhos com toda a garra”, relembra Maria Pinheiro Zandoná, 73, ceramista.
Desde pequena achava que ia contar as suas próprias histórias apenas em tecido – sem que ninguém tivesse lhe ensinado, fazia bonecas de meia fina e chita para dar vida a seus sonhos e fantasias de criança. Cresceu, teve quatro filhos, netos e bisnetos. Por muito tempo, fez da costura seu ganha pão – saiu de Viçosa, no estado de Alagoas, incentivada pela mãe, Maria da Glória e na capital paulista foi costureira de mão cheia, coordenando também a produção de corte e costura em grande empresa. Muito depois, já aposentada, fez cursos de artesanato, mas sabia que ainda não havia se encontrado.
Vocação – Quando os filhos se casaram, mudou-se para Caraguatatuba, onde já possuía uma casa de veraneio. Foi em Caraguá, que Zandoná descobriu sua verdadeira vocação – é uma das remanescentes do projeto de formação de ceramistas iniciado em 2004, uma parceria do Núcleo de Cerâmica Artesanal TerrAmar, do artista Ben Hur Vernizzi, com a Fundação Educacional e Cultural de Caraguatatuba (Fundacc), que visava incentivar a produção de cerâmica na cidade. Integrou também a extinta ‘Rota da Cerâmica’ criada em 2008, e pertence atualmente a um coletivo de arte, o ‘Ubuntu Caraguá Ceramistas’.
“Minha mãe também fazia cerâmica; a gente só tinha panelas de barro, ela pegava a argila em um riacho próximo à nossa casa. Deixava o barro descansar, e no dia seguinte preparava as panelas, fazia forno no chão com pedaços de telha e queimava. Não as vendia, eram usadas em casa e ela também presenteava os vizinhos. Mas só fui valorizar esse saber, quando fiz a oficina com Ben Hur. Lá transformei minha vida; fiquei no Núcleo TerrAmar até construir meu forno e meu ateliê. Ele é meu amigo e meu mestre” – considera a ceramista.
Da chita ao barro – Suas obras também são paridas da terra. No início eram utilitários e decorativos. Se quando criança, criava bonecas de pano, transferiu para o barro a arte de criar personagens. Zandoná já perdeu as contas de quantos já fez, homens e mulheres, cada um diferente do outro, com sua expressão facial. Ela conta que estão dentro dela.
Com o tempo e o amadurecimento artístico, foi criando uma identidade. Suas personagens, hoje são na maioria mulheres que nos dizem, olho no olho, a que vêm. São as ‘Mulheres de Zandoná’, que traduzem a magia da vida, o conhecimento ancestral e a sabedoria feminina.
“É místico o meu trabalho. Às vezes eu imagino a peça que eu vou fazer. Mas, têm vezes que, de repente, ela muda completamente. Gosto de fazer mulheres. Elas saem de dentro de mim. Se fico um dia sem pegar no barro e fazer uma peça, fico mal. Vejo meu ofício como uma oração, fico quietinha no meu canto, no atelier e as peças vão saindo”.
Trajetória – Zandoná já participou de inúmeras edições de encontros de cultura tradicional como o ‘Revelando São Paulo’, edições na capital, e em São José dos Campos e nos ‘Festivais do Camarão’ em Caraguá. Traz em seu currículo cerca de 20 exposições coletivas e individuais no Litoral Norte e Vale do Paraíba. Suas obras encantam pela expressão do feminino impressa na argila por meio de mãos habilidosas e perseverantes. “O barro traz uma inspiração ancestral pra mim”, diz.
Projetos – Zandoná está para inaugurar a exposição ‘Retábulo’ na Secretaria de Turismo de Caraguatatuba. “É uma exposição do grupo (Ubuntu Caraguá Ceramistas) onde cada artista pesquisou em seu interior aquilo que era mais representativo em sua vida, o que nos representava como pessoa. Vamos mostrar o sagrado de cada um de nós”, fala Zandoná.
Em sua obra, dividida em fases, o público poderá conhecer cenas de sua infância, com sua mãe parteira e paneleira; a fase ceramista, seu ofício, o que a trouxe mais próxima de sua essência e sua religiosidade – o Budismo. A exposição tem a curadoria de Carlo Cury, integrante do Ubuntu e será aberta ao público no dia 20 de abril.
Peço a ela, para encerrarmos nossa conversa, falar sobre ser mulher – “Falar de mulher é falar de força. Mulher é um ser muito forte. Pense: a mulher cria um ser dentro de si, dá a vida, tráz à luz, isso é impressionante, é místico. Quando vejo minha vida hoje, com filhos, netos e bisnetos, me encho de felicidade por ser mulher. A mulher tem que ser valorizada pelos homens e pela sociedade. Desejo muito amor à todas”, destaca a ceramista Zandoná, filha de D. Maria da Glória, parteira e paneleira.