Segundo os pesquisadores do Cebimar, com frequência, as marés vermelhas de algas tóxicas comprometem sobremaneira a saúde pública, principalmente pelos efeitos do consumo de pescado contaminado. Há dois anos, uma maré vermelha obrigou a Cetesb a suspender a venda e o consumo de mexilhão em toda a região
O Cebimar(Centro de Biologia Marinha),em São Sebastião, informou através de seus pesquisadores Áurea Ciotti, Augusto Flores e Álvaro Migotto, que análises de amostras de água de superfície, que haviam sido coletadas entre os dias 13 e 14 do mês passado, para atividades de ensino e pesquisa do centro de pesquisa, que pertence a USP(Universidade de São Paulo), revelaram a presença de grandes concentrações de organismos unicelulares planctônicos, potencialmente tóxicos.
A maré vermelha é uma aglomeração de micro-planctons dinoflagelados que raramente acontece em alguns determinados locais na superfície das águas. São seres unicelulares, aglomerados em número suficiente para produzir uma mudança de cor na água que se torna amarela, alaranjada, vermelha ou marrom.
No dia 13/03 foram encontrados, entre outros organismos, os dinoflagelados Alexandrium e Dinophysis. No dia seguinte, observou-se que mancha era formada quase que exclusivamente por dinoflagelados do gênero Margalefidinium (foto abaixo), atingindo densidades suficientes para gerar um potencial de toxicidade para organismos planctônicos e peixes.
As amostras de água obtidas dentro das manchas revelaram concentrações que superam 2 milhões de células por litro de água. A temperatura da superfície da água do mar nesses locais esteve acima de 29oC e a salinidade baixa, por volta de 33. A relação inversa encontrada entre o número de células e a salinidade sugere que o aporte de nutrientes em águas fluviais tenha sido a causa da proliferação da espécie no canal de São Sebastião.
Segundo o biólogo Álvaro Migotto, há dois anos uma maré vermelha acabou causando a interdição e suspensão pela Cetesb da venda de mexilhão na região. Migotto lembrou, que naquela ocasião, o mexilhão teria sido afetado por substâncias muito tóxicas proveniente da maré vermelha e ficou alguns meses sem poder ser comercializado e consumido pela população.
Segundo o Cebimar, a beleza natural do litoral norte do Estado de São Paulo, de perfil recortado, entremeado por praias dos mais variados tipos e emoldurado pelo verde da Mata Atlântica, move em grande parte o turismo na região. Contudo, assim como acontece em outras regiões costeiras, a população residente e flutuante do litoral tem aumentado muito sem que haja investimentos em saneamento compatíveis com esse crescimento.
Uma dentre as diversas consequências da ocupação intensa e desordenada das cidades litorâneas é o aumento da entrada de nutrientes nos ecossistemas marinhos costeiros, seja pelo maior escoamento de esgotos domésticos e industriais não tratados, seja pela remoção da vegetação nativa, a qual, quando intacta, é responsável pela absorção e reciclagem de grande quantidade de nutrientes.
A ciência tem mostrado, já por algumas décadas, relações consistentes entre o aumento do aporte de nutrientes em regiões costeiras e crescimento e acúmulo de micro-organismos na água, incluindo muitas espécies de algas que por vezes formam as chamadas “marés vermelhas”. Nem sempre vermelhas, algumas dessas florações podem ser nocivas a outros organismos marinhos e às pessoas.
Em especial, durante as florações uma grande quantidade de matéria orgânica é acumulada, podendo alterar todo o metabolismo do ecossistema, uma vez que a concentração de oxigênio dissolvido na água é reduzida abaixo de níveis críticos. As toxinas produzidas por algumas das espécies podem afetar uma grande variedade de organismos marinhos.
Segundo os pesquisadores, com frequência, as marés vermelhas de algas tóxicas comprometem sobremaneira a saúde pública, principalmente pelos efeitos do consumo de pescado contaminado. De forma preocupante, a intensidade e frequência dessas florações têm aumentado em várias regiões por todo o mundo, em decorrência dos desequilíbrios ambientais decorrentes de interferências antrópicas, pelas mudanças climáticas e ainda pela introdução de espécies exóticas através do transporte em águas de lastro de navios. Os pesquisadores advertem que o litoral norte de São Paulo está sujeito a todos esses processos, e devemos esperar e nos preparar para o aumento dos eventos de maré vermelha.
Existem florações que ocorrem naturalmente nos oceanos, sem a necessidade de aportes complementares de nutrientes, e que não causam grandes problemas ambientais porque não produzem toxinas. Esse é o caso das florações da cianobactéria Trichodesmium e da diatomácea Asterionellopsis que são observadas vez ou outra nas praias de São Sebastião, Caraguatatuba e Ilhabela.
A primeira forma manchas de cor ferrugem que se assemelham a pó de serragem flutuando na superfície do mar, enquanto que a segunda forma manchas marrom-chocolate e é responsável pela formação de grande quantidade de bolhas de ar na zona de arrebentação de praias, como observado com frequência na Praia de Maresias. Porém, há registros recentes de ocorrência de espécies potencialmente tóxicas no Canal de São Sebastião, como os dinoflagelados Dinophysis (2016) e Gymnodinium (2017), ambas espécies observadas em coletas para atividades de ensino e pesquisa do CEBIMar/USP.
Os países desenvolvidos têm realizado a detecção antecipada e o monitoramento dessas florações para aferir a qualidade ambiental e alertar a população quanto a possíveis riscos do banho e da prática de esportes aquáticos, assim como do consumo de pescado e frutos do mar extraídos na região afetada. Há, no entanto, a necessidade de desenvolver expertise local para o monitoramento de marés vermelhas.
O Cebimar alerta que é de suma importância que sejam estabelecidos programas amplos de monitoramento, envolvendo não apenas as universidade e instituições públicas responsáveis pelo controle da qualidade ambiental. É necessário cobrir todas as etapas do processo (detecção, identificação e análise de material fresco no laboratório, acompanhamento das manchas até sua dissipação etc.), além de engajar a população local quanto aos riscos associados a esses eventos.