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Webinar sobre futuro do Porto de São Sebastião é marcado por críticas a ambientalistas e divergência sobre forma de desestatização

Tamoios News
Foto: Felipe Zangado

O Governo Federal pretende retirar da estatal paulista Companhia Docas de São Sebastião a concessão da gestão do porto sebastianense, e realizar leilão até 2022 para entregá-lo à iniciativa privada. Mas até lá, audiências públicas e debates devem ocorrer. Na tarde de quarta-feira (30), a 136ª Subseção de São Sebastião da OAB-SP promoveu um evento online chamado “O Futuro do Porto”, onde ficou evidente a existência de diversas propostas de modelo de desestatização, além da expectativa de o projeto encontrar rejeição na sociedade local por razões ambientais e sociais, como oposição de parte do setor de turismo, moradores da região e ambientalistas.

O Webinar contou com a participação de dois palestrantes, ambos ex-presidentes do Porto de São Sebastião, Casemiro Tércio Carvalho (Gestão 2011 – 2017) e Frederico Bussinger (Gestão 2007 – 2011), que apresentaram suas visões sobre as possíveis formas de desestatização do Porto. A mediação ficou por conta da advogada Adriana Koschitz Leme de Macedo. Também participaram do debate o Secretário Geral da OAB/SP Aislan Queiroga Trigo, o Presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB/SP Thiago Miller e o atual Presidente do Porto de São Sebastião Paulo Oda.

Contexto

Em maio deste ano, o Ministério da Infraestrutura e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinaram contrato para a realização de estudos sobre novos modelos de gestão para o Porto de Santos e o Porto de São Sebastião, ambos no estado de São Paulo. Segundo o ministério, os resultados dos estudos devem ser conhecidos no primeiro trimestre de 2021. Com a assinatura do contrato com o BNDES, o banco passou a ser o órgão responsável pelos estudos e pela modelagem da desestatização dos empreendimentos portuários, pelo suporte à realização das audiências públicas e pelo leilão, previsto para ocorrer em 2022.

De acordo com informações da Agência Brasil, o complexo portuário de São Sebastião movimentou, em 2019, 740,5 mil toneladas, um aumento de 6,5% em relação ao ano anterior. Entre as principais cargas estão: granéis sólidos (94,2%), carga geral (3,5%) e granel líquido e gasoso (2,3%). Apesar do aumento no volume transportado, o prejuízo líquido acumulado do porto supera os R$ 43,5 milhões.

Webinar

Na abertura, o atual Presidente do Porto de São Sebastião Paulo Oda falou sobre suas expectativas para o debate online. “Minha expectativa é que o presente debate traga luz aos aspectos que permeiam as seguintes questões: Seria o caso da desestatização do Porto de São Sebastião? Quais seriam os modelos ideais? Quais seriam as consequências para o Vale do Paraíba, para o município de São Sebastião e para a comunidade portuária local?”

Frederico Bussinger

O engenheiro e consultor Frederico Bussinger, que foi Presidente do Porto de São Sebastião de 2007 a 2011, chamou atenção para o fato de haver um mesmo contrato envolvendo dois portos de perfis distintos. Ele entende que a desestatização não é complexa, mas que precisará enfrentar questões relacionadas ao licenciamento ambiental para tornar possível a expansão do porto e atrair investidores.

Bussinger também destacou a importância do porto para o Vale do Paraíba, para o interior do Estado de São Paulo e até mesmo para o sul fluminense. O engenheiro defende o potencial do porto, que em sua análise possui acessibilidade aquaviária, mercado e acesso privilegiados. Ele reconhece o gargalo no acesso terrestre que passa por Caraguatatuba e São Sebastião, mas afirma que já foram feitos estudos que apresentaram alternativas possíveis para superar a questão.

O grande entrave, segundo Bussinger, seria o que ele chamou de oposição das elites acadêmica, midiática e econômica de São Paulo. “Então, a grande adversidade que enfrenta o porto não é técnica, não é de modelagem, é uma adversidade política e social”, disse. O engenheiro afirmou que o embate com ambientalistas contrários à expansão do porto permanece. Ele mencionou, ainda, outras questões a serem tratadas, como os operadores locais e os trabalhadores do município.

O consultor expôs suas sugestões para a desestatização. Uma delas é separar os processos de Santos e de São Sebastião, mesmo que sob um mesmo contrato, permitindo que haja diferenças no tratamento dos dois portos, para que São Sebastião não fique em segundo plano. Outras sugestões de Bussinger são adotar o modelo de concessão integral e fazer uma avaliação expedita para a fixação do valor mínimo da outorga. “Haverá concorrência. Se esta licitação for para a rua, vai haver vários interessados. Neste caso, certamente interessados estrangeiros. Portanto, eu acho que a questão do valor mínimo é de pouca relevância nesta discussão. Quem vai decidir realmente é a concorrência, é o leilão”, disse.

Casemiro Tércio Carvalho

O engenheiro naval e consultor Casemiro Tércio Carvalho, que foi presidente do Porto de São Sebastião de 2011 a 2017, se preocupou em pontuar aspectos da segurança jurídica do processo de desestatização.

Tércio defende a importância da ampliação do porto e mencionou o movimento ambientalista que historicamente se opôs a esse projeto. “São Sebastião veio para mostrar para o mundo portuário como se faz gestão portuária do lado de uma área de conservação, no meio de um ambiente de turismo náutico e com um ambiente de fervor do ambientalismo paulista”, afirmou.

O consultor destacou pontos que considera importantes em um processo de privatização. “Minha advocacia é: vende passivo e ativo junto. Por que no final, você está vendendo o quê? Fluxo de caixa. E deixa o privado negociar as ações trabalhistas”, defendeu. Tércio fez críticas ao funcionamento do setor público e argumentou a favor da privatização.

“Eu defendo inicialmente que todos possam participar de forma irrestrita desse leilão, o que você pode fazer é estabelecer tetos de participação por fundo soberano, por tipologia de carga, por operador ferroviário”, sugeriu. O engenheiro afirma que para o porto prosperar é necessário resolver o acesso terrestre e agilizar o desembarque de cargas.

Tércio comentou sobre mão de obra e automação operacional. “O legado que fica da pandemia é o processo de automação da operação, sabendo que tem algumas operações que não são automatizáveis. O mantra hoje é substituir a mão de obra que está no costado do navio por uma mão de obra que está atrás de um computador, de uma manutenção de hardware, de uma mecatrônica de precisão. Então você qualifica mão de obra”, disse. Na opinião dele, a comunidade empresarial e política de São Sebastião precisa pensar nessa modernização da mão de obra.

Tércio criticou os ambientalistas contrários a obras do porto. “A questão ambiental no porto de São Sebastião precisa ser enfrentada pelo poder concedente. Então se é o governo federal que vai conceder, em comum acordo com o governo do Estado, tem que oferecer no anexo do edital a licença prévia de ampliação, na minha opinião”, disse. “Os ambientalistas que me perdoem, mas é muito fácil ser ambientalista no litoral norte ainda, metade dos ambientalistas andam de Land Rover e com iPhone na mão, e não sabem que essas coisas entram no país de alguma forma pela atividade portuária”, provocou.

Paulo Oda

O atual Presidente do Porto de São Sebastião Paulo Oda apresentou uma sugestão de desestatização diferente da dos consultores. “Uma outra opção seria a privatização da Companhia Docas de São Sebastião. A ideia em linhas gerais seria o seguinte: a privatização seria feita mediante alienação de 50% das ações da Companhia em 5 lotes de 10% para 5 grupos econômicos distintos, dando direito a cada grupo de uma cadeira no Conselho de Administração e estes ainda teriam o direito de indicar a diretoria executiva. O governo do Estado, por sua vez, seria majoritário com 50% de ações, mais um golden share, possibilitando continuar com a delegação para administrar o porto. As ações dariam direito de indicar o presidente do Conselho da Administração (Consad) e um conselheiro representante da prefeitura de São Sebastião. E o golden share daria ao governo o direito de veto às decisões do Consad que não estivessem condizentes com seus interesses e com as políticas públicas e de desenvolvimento socioeconômico estadual e municipal”, sugeriu.

Oda considerou a discussão do Webinar interessante e reforçou que, na sua opinião, o cerne da questão sobre a desestatização do porto é saber quais serão suas consequências para a comunidade local e para o desenvolvimento regional.

OAB

A 136ª Subseção de São Sebastião da OAB-SP informou que pretende promover outros debates sobre “O Futuro do Porto”, com convidados com diferentes opiniões sobre o tema.

*Texto: Renata Takahashi / Tamoios News