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Diálogo deve ser a tônica da nova gestão da FundArt em Ubatuba

 

Por João Pedro Néia

 

O currículo de Cristina Prochaska, nova presidente da FundArt, é extenso e recheado de ótimos trabalhos. Atriz, jornalista, produtora, fotógrafa, Cristina passou pelas TVs Bandeirantes, Rede Globo e pela extinta Manchete. Apresentou programas na TV e no Rádio. Fez reportagens para o Fantástico. Interpretou uma das personagens mais populares e revolucionárias da televisão brasileira – a simpática Laís, de Vale Tudo, cultuada novela de Gilberto Braga, de 1988.

Contracenou com Beatriz Segall na TV. Trabalhou com José Wilker no teatro. Com Renato Aragão, no cinema. Sem contar os inúmeros projetos que não chegaram ao grande público, especialmente no cinema e no teatro. “Minhas grandes paixões”, confessa.

Grande defensora da arte e da cultura em todas as suas manifestações, Cristina Prochaska, 55, está de volta a Ubatuba desde 2012.

Cristina lamenta ficar longe dos palcos, mas a saudade é recompensada pela oportunidade de usar sua experiência de mais de 30 anos a favor de Ubatuba. Quando fala da terra natal, o entusiasmo com que planeja o futuro dá lugar ao carinho pelas lembranças de menina. “Ubatuba é meu eixo”, diz, com a voz um tom abaixo do normal.

Nesta entrevista ao Portal Tamoios News, Cristina Prochaska fala da carreira, dos planos para a cultura na cidade e dos desafios a serem superados nos dois anos da sua gestão.

Confira a entrevista:

Tamoios NewsComo foi a transição ao assumir a presidência da FundArt?

Cristina ProchaskaEu e a Isabela (ex-presidente da FundArt) trabalhamos no mesmo grupo, que é o grupo de governo. Quando o Maurício (Moromizato, do PT) assumiu, eu vim como assessora cultural da Isabela. Ela como presidente da Fundart e eu como assessora cultural. Fiquei quatro meses aqui e fui para a Secretaria de Turismo, depois para a Secretaria de Comunicação. Passei pela Comtur também. No final do ano passado, o Maurício me chamou pra assumir a FundArt. A Isabela trabalha de forma mais administrativa, e a FundArt tinha muitos problemas em termos administrativos. Ela fez a regulamentação de muita coisa. E a minha função, pela minha característica, é buscar incentivo para os editais, buscar programas, porque nós fazemos as vezes de Secretaria de Cultura, já que Ubatuba não tem uma. Somos gestoras diferentes, mas trabalhamos para o mesmo grupo.

 

TNComo funcionam, e qual a importância, das oficinas culturais da FundArt?

CPAs oficinas da FundArt são o projeto social mais importante da Fundação. Talvez, e isso é a minha opinião, seja um dos projetos mais importantes da Prefeitura. Porque quando você abre uma vaga numa oficina, seja para uma pessoa da melhor idade, um jovem adolescente ou uma criança, você interfere, no bom sentido, em toda uma família. As nossas oficinas são super inclusivas. Desde oficinas de macramê, papel machê, reciclagem, cerâmica, você realmente aprende a fazer alguma coisa e a gerar renda. Ou uma oficina de varal literário, de piano, que é o despertar para a atividade artística cultural. Então as oficinas têm essa função social não só no momento do despertar artístico, mas também na capacitação de uma profissão, num programa curto, mas que acontece durante o ano inteiro.

 

TNQuais os critérios na hora de criar uma oficina?

CPOs critérios são, primeiro, quais os bairros e quantas pessoas nós vamos atender, buscando sempre o máximo possível de pessoas. Depois, temos que contemplar todos os nossos setoriais – artes plásticas, artesanato, cine vídeo, literatura e etc. O conselho deliberativo se reúne e, a partir daí, a gente tenta, da forma mais democrática possível, dividir as oficinas. É uma decisão conjunta, sempre visando o despertar para a arte e a capacitação.

 

TNQual é a situação do Teatro de Ubatuba?

CPNa verdade, isso ainda está no gabinete da Prefeitura. Não é ainda da FundArt, ou da Comtur, ou de alguma Secretaria. O teatro ainda tem uma série de problemas legais e tudo está sendo decidido no Gabinete.

Mas eu espero de coração que ele venha para a FundArt. O teatro é um mundo de opções, não só pelas peças. Mas também pelas salas que têm lá embaixo para exposições, é um local para as oficinas de capacitação, um espaço para a Banda Lira Padre Anchieta, para a oficina de Balé da cidade, que já tem 20 anos. É um lugar para poder montar um grupo de teatro de Ubatuba. Enfim, não vejo a hora de o teatro reabrir. Eu e todo mundo.

Eu já fui gestora de teatro, e o custo é muito alto. A FundArt não tem orçamento pra isso. Nós teríamos que criar programas pra buscar verbas. Então, deixando claro que isso é só a minha opinião, a gestão compartilhada pode ser o melhor caminho, até mesmo entre os setores público e privado.

 

TNE o Centro de Convenções?

CPEle está aberto, está com toda a documentação correta. Ele foi entregue pra essa administração com muitos problemas. Não tinha alvará, não tinha esgoto. O Centro tem recebido algumas convenções, palestras e cerimônias, e nós vamos começar com alguns programas sociais ali, mas isso ainda está em fase de planejamento.

 

TNVocê começou no jornalismo, mas já trabalhou em várias plataformas artísticas – televisão, teatro, cinema, fotografia, a lista é grande… Conte um pouco da sua trajetória.

CPO jornalismo foi meu primeiro amor. Comecei na TV Bandeirantes. Faço teatro desde os 13 anos, teatro amador em São Paulo. Também fotografo desde os 14 ou 15 anos. Nunca mais parei. São 40 anos de fotografia. Cinema também. Recentemente, fiz um longa-metragem chamado Histórias Íntimas, do Julio Lellis, que tem ganhado vários prêmios nos festivais. É um filme que conta a história da sexualidade no Brasil, baseado no livro da Mary Del Priori.

Mas tem também muitos trabalhos de curta-metragem, exposições de fotografia, televisão. A TV foi muito boa pra mim. É engraçado assistir a essas reprises no canal VIVA e ver tantos personagens diferentes, como em Vale Tudo, Que Rei Sou Eu, Felicidade. Mexe com o meu coração. Mas as minhas paixões são o cinema e o teatro. A televisão foi necessária.  Mas eu simplesmente não posso parar de fazer cinema e teatro.

 

TNQuem você admira no teatro?

CPGosto de todos os clássicos, nacionais e de fora também, acho os textos clássicos maravilhosos. Tenho gostado muito do trabalho do Universo Feminino, da Martha Medeiros, eu amo Clarice Lispector, gosto do (Augusto) Boal, do teatro do absurdo. E me divirto muito com as coisas do Miguel Falabella, acho que na comédia ele é genial.

 

TNComo foi sua infância em Ubatuba?

CPMinha infância foi maravilhosa. Não só a infância. Minha adolescência foi aqui, no surfe, e mesmo morando em São Paulo, todo final de semana eu descia. Quando fui morar no Rio ficou mais difícil, e a televisão é muito complicada. No teatro, a gente trabalha fim de semana. Então ficava períodos longos sem vir. Mas nas férias e feriados eu corria pra cá. Ubatuba sempre foi o meu ninho, minha âncora, o meu ponto de referência.

 

TNO Festival FACTU (Festival de Arte, Cultura e Turismo) já foi uma iniciativa da sua gestão?

CPFoi. Eu passei na frente do Sobradão do Porto, lá pelo dia 2 ou 3 de janeiro, e pensei que um prédio tão importante pra Ubatuba não poderia ficar fechado em janeiro. Chamei os artistas da cidade, com quem eu tenho uma boa proximidade, pelo Facebook mesmo, por telefone, liga pra um, liga pra outro. Os artistas de circo, dança, música, teatro, capoeira, pintura, artesanato, tudo. Fui chamando a turma. A coisa foi se espalhando. Em uma semana, a gente juntou mais de 250 pessoas dentro do Sobradão querendo participar. Eu expliquei que não estava no calendário, não havia verba pra isso. Mas todo mundo topou fazer. Foi bárbaro. A adesão não foi só dos artistas, foi da Comtur, da Secretaria de Turismo. Gastamos 6 mil reais de estrutura pra 21 dias de festival, com tudo o que você pode imaginar: hip hop, samba de raiz, fandango, exposição de arte, cerâmica. Foi maravilhoso. Ele já entrou no calendário. Foram perto de 300 pessoas envolvidas com o festival, fora o público. Pela primeira vez, todas as companhias de dança se apresentaram no mesmo dia. Janeiro, a cidade lotada, os turistas ficaram loucos vendo aquele casarão todo iluminado. O FACTU tem potencial para se tornar um produto, uma marca de Ubatuba, como é a FLIP em Paraty. Nós já percebemos isso.

 

TN O que você acha do papel dos quilombolas na cultura da cidade?

CPUbatuba é uma das poucas cidades, talvez no mundo, que conserva as três comunidades: quilombola, indígena e caiçara. Você ter essas três comunidades na convivência diária, com 5 quilombos, 2 comunidades indígenas, e incontáveis comunidades caiçaras, isso empresta à cidade uma característica única. É obrigação da Fundação o apoio a essas comunidades. E não só da FundArt.  É fundamental em termos de importância cultural pra cidade, pro Estado e até para o país.

 

TN Quais os planos para a Biblioteca?

CPA biblioteca precisa de algumas reformas no teto. Apesar de pequena, ela tem um acervo importante, desde o jornal do dia até materiais de pesquisa. E logo vai chegar um programa novo para a biblioteca, com recursos federais.

 

TNO que você acha da Lei Rouanet?

CPÉ uma boa lei. O que ela precisa é de uma adaptação. Ela nasceu de uma necessidade absurda de você garantir, através da isenção fiscal, a continuidade do trabalho artístico. No andar da carruagem, essa lei deu uma descambada. Eu digo que as próprias empresas atrapalharam essa lei. Porque elas começaram a procurar a fama, o nome famoso, o projeto que ia aparecer na televisão. E não deram atenção ao início, à semente dessa lei, que é o fomento da cultura através do incentivo fiscal. E isso é genial. É democratizar um imposto. Através da arte e da cultura você fortalece a sociedade. A Lei Rouanet é necessária. Mas ela precisa de revisão. Principalmente por parte dos próprios empresários, que viram na lei uma oportunidade para disseminar as suas marcas. Eles recebem milhares de projetos pela lei Rouanet todos os anos, mas só liberam a verba para aqueles onde a marca vai aparecer melhor. Eu entendo isso em termos de marketing, só que os menores ficam de fora.

Acho que a gente deveria ter leis municipais de incentivo. Aqui na FundArt, nós estamos planejando retomar uma lei antiga de isenção fiscal municipal, e existe a vontade do Prefeito que nós tenhamos uma lei municipal de incentivo à cultura. Mas que ela também seja ampliada ao esporte e ao lazer.

 

TNQuais serão os principais desafios no biênio da sua gestão?

CPO maior desafio agora é trabalhar com o orçamento que nós temos. Não é um problema só da Fundart, é um problema do país. O país está em crise. É evidente que, socialmente, nós temos coisas muito importantes, como a saúde e a educação. Se vai apertar pra alguém, vai apertar na cultura, no esporte. Saúde e educação são essenciais. Eu penso que, através da cultura, você ameniza o dano social. Então deveria haver um olhar mais carinhoso, porque através da inclusão cultural, você faz a inclusão social. O meu desafio é buscar parceiros que entendam o que eu estou dizendo. Que a marca vai aparecer, que nós vamos divulgar essa marca, e em contrapartida a gente vai desenvolver não só a cultura, mas toda a sociedade. Meu desafio é buscar verbas, fundos, pra fortalecer a sociedade através da cultura.

 

TNAlguma possibilidade de vermos Cristina Prochaska na TV em breve?

CPAcho difícil. Só no canal VIVA (risos).

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