Por Lucelmo Lacerda
“Negros compõem uma raça inferior”, “A terra é indiscutivelmente plana”, “As mulheres possuem menos inteligência que os homens” – acredite, tudo isso já foi ciência respeitável – hoje não passam de absurdos. É claro que dizer que algo não é mais aceito cientificamente não quer dizer que não se possa mais acreditar em tais tolices, Bolsonaro e Olavo de Carvalho estão aí para não me deixar mentir.
Mas uma coisa é um sujeito qualquer defender um absurdo desta natureza, outra muito diferente é haver uma palestra com estas temáticas, sobretudo se ocorrer em alguma instituição que possui algum compromisso com o conhecimento.
Pois, pasmem, é isto que ocorrerá por esses dias em Ubatuba.
O Autismo é um diagnóstico surgido em 1943 e pouco depois surgiu e cresceu uma teoria que acreditava que as más mães, apelidadas de “mães geladeira” eram as causadoras do Transtorno. Quem propôs esta teoria foi um sujeito chamado Bruno Bettelheim, que se dedicou inclusive a tratar de crianças com autismo – depois descobriu-se fraudes em toda sua obra e maus-tratos a essas crianças (quase todas morreram) e ele se matou quando isso veio à público, em 1990.
Ainda na década de 1970, avolumaram-se evidências de que o autismo possuía uma base genética ativada por eventos intrauterinos. Com o advento do Projeto Genoma não restou mais nenhuma dúvida sobre o tema. Hoje já são mais de 1.000 genes ligados ao autismo e muitos elementos associados, como a idade dos pais e o ácido valpróico, só para citar os mais bem demonstrados.
Apesar disso, proliferam mitos de natureza mais diversa, de que são vermes que causam o autismo (e que se cura com água do mar), metais pesados, cura por dietas milagrosas, entre outros. Mas destas mitologias, nenhuma é mais sorrateira, estapafúrdia e ofensiva do que a tese que o Autismo seja uma psicose, uma doença psicológica, pois não é nem um, doença – e sim um transtorno do desenvolvimento e nem outro, psicológica, pois é neurológica. É sorrateira por que veste uma fantasia bizarra de conhecimento acadêmico (acadêmico não quer dizer científico, basta ver a existência de campos acadêmicos como filosofia e teologia). É estapafúrdia porque se opõe a 100% das evidências científicas de todos os campos do conhecimento (genética, neurologia, psicologia…)
Dois fatos adicionalmente lamentáveis – 1) ocorre em algo que deveria ser uma instituição de ensino – 2) ao invés de uma autocrítica, vê-se uma rede de conveniências de justificação.
Vamos torcer para a próxima não ser sobre a “natural inferioridade feminina”.
Algumas sugestões para conhecer a história desta fraude:
Outra Sintonia: a história do autismo, livro de John Donvan e Caren Zucker, publicado em 2017, pela Companhia das Letras
O cérebro de Hugo – assista ao vídeo