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Caminhoneira e escritora relata os desafios e os problemas que enfrenta na profissão

Tamoios News
Imagem/Tamoios News

Zeugma Lua Seda Alvarenga, 70 anos, mora em Caraguatatuba há 30 anos e dirige um caminhão de 15 metros de comprimento há 25 anos. Ela relata sua difícil trajetória na profissão, e os desafios que enfrentou e ainda continua enfretando, mas nada tira sua paixão pela profissão.

Tudo começou em 1995, quando o marido de Zeugma, Wantuir Amante Alvarenga Jr, comprou uma Scania 111S e começou a viajar com o caminhão. Na época Zeugma morava na roça e trabalhava como produtora rural para ajudar na criação dos três filhos.

Porém, com a distância, o marido começou a sentir muita falta da família nas estradas. Incentivada pelos filhos, a esposa decidiu acompanhá-lo nas viagens. “A saudade, a distância, era choro na ida e na volta”, conta Zeugma.

Empenhada em se adaptar a nova vida que estava levando, buscou aprender dirigir caminhão. No começo foi difícil, tirou carta escondida do marido, mas logo as coisas foram mudando e ganhando apoio do companheiro.

Entretanto, com as contas altas, Zeugma tomou uma decisão e conversou com Wantuir. “Falei pra ele que um caminhão só estava difícil de manter (a vida) no nível que a gente queria, que eles (os filhos) estudassem, se formassem, pra que pudessem ter o caminho deles. Era nossa missão. Aí demos entrada nesse caminhão que trabalho até hoje”, relembra.

Mas nem tudo foi fácil nessa nova etapa. Zeugma enfrentou desafios e preconceitos no início. “A gente tem que provar que é capaz. Tem que por respeito, ter postura, saber o que faz, trabalhar”, conta. E diz que já ouviu desaforos de pessoas de fora, como “o que está fazendo aqui que não está no fogão”.

Seguindo sua missão, com o passar do tempo ficou conhecida no meio e ganhou respeito. “A gente vai adquirindo respeito. Às vezes ficam uns 20 homens na cozinha do caminhão pra comer, faço comida, não me importo, mas não gosto que falem palavrão perto de mim”. Com alegria ela conta que a classe é muito unida, que um sempre ajuda o outro.

E o casal, apesar de cada um seguir em seu caminhão, sempre se manteve junto na estrada. Ela dirigindo na frente, sempre de olho no marido, que a acompanha logo atrás. “O anjo da guarda sempre atrás e de vermelho”, diz ela sobre Wantuir.

Esse amor e cuidado entre os dois renderam um apelido: Romeu e Julieta das estradas, da rodovia Tamoios.

Imagem/Acervo pessoal de Zeugma

Quem a vê dirigindo o caminhão fica admirado. Mas por trás da feminilidade e delicadeza, há uma força dessa mulher que sobe e desce serra à frente de um caminhão pesado, seja com cevada, barrilha ou areia. De Ilhabela à São José dos Campos ou Taubaté.

Como a própria Zeugma diz, cada dia na estrada é uma superação, uma surpresa. E foi em um desses dias que seu marido acabou batendo o caminhão, em 2010. Uma nova surpresa da vida, difícil, mas que traria uma novidade inesperada.

Sem saber como pagariam o conserto ou se o vendiam, Wantuir resolveu cortar o caminhão. “Mas como você vai cortar o caminhão? Ele é sua paixão!”, disse Zeugma.

Nesse momento tiveram a ideia de fazer um financiamento, e então começaram as buscas. Wantuir procurou por financiadoras na região, onde tinha conhecidos, mas não teve resposta de nenhuma, até que encontraram uma de fora que se interessou em ajudá-los.

Uma funcionária da financeira foi até a casa do casal para conhece-los, e acabaram criando contato. A moça disse à Zeugma que ela era inspiração para outras mulheres e deveria escrever um livro.

A empresa acreditou tanto na história de Zeugma que, além de conceder o empréstimo, patrocinou o livro, que conta com diversos textos com história e curiosidades da estrada. O livro foi lançado em 2014.

Imagem/ Acervo pessoal de Zeugma

Mas, com tantos anos de estrada e muitas histórias acumuladas, ela pensa em futuras publicações. Uma forma de inspirar e relembrar tudo que viveu, já que a ideia de uma aposentaria também já passa em sua cabeça.

“Eu amo minha profissão, mas tira muito da gente. Perdemos comemorações, festa de família. Saio de casa às 3h30 da manhã sem saber que horas vou voltar”, conta. “Tem que ter garra, não é pra qualquer um, não é fácil”.

Zeugma, relata a falta de pontos de apoio para pararem, e descansarem quando precisam, na Rodovia que mais utilizam, dos Tamoios.  Alguns comércios localizados na beira da rodovia proibem caminhões de parar e, inclusive chegam até a ameaçar: “Você entra, pedem para sair. Só querem turista. Ameaçam chamar a polícia da cidade. Isso já aconteceu comigo. Temos uma grande rotação de rodovias para chegar em casa, e assim fica difícil”, afirmou a profissional.

Outro problema levantado por Zeugma são as constantes interdições que ocorrem na região das serras, onde são colocados cones e, em alguns casos, o trânsito é encaminhado para fluir somente em uma via. “Os motoristas dos carros pequenos têm que subir devagar atrás dos caminhões e eles xingam, mostram o dedo com malcriação e ninguém precisa disso. Existe uma guerra desonesta e, cada um está dentro do seu quadrado, pois na estrada nossa velocidade é 60 e os carros são 80”.

Por fim, Zeugma ressaltou a importância das estradas para toda a região. “Sem os caminhões o Litoral Norte não roda. A estrada é boa, só falta uma estrutura para nós que usamos como trabalho e não só para turistas. São os caminhões que trazem os recursos. O Litoral Norte teve um grande crescimento. Hoje, nós somos os bandidos das estradas. Só nós fazemos o exame toxicológico, será que não caberia para todos os condutores? Eu já fui muito ofendida por estar no caminhão e não no fogão”, finalizou ela.

Redação/Tamoios News