Cidades Litoral Norte

Caminhoneira Escritora, uma história para se inspirar

Tamoios News
Foto: Tamoios News

Zeugma Lua Seda Alvarenga tem 67 anos, mora em Caraguatatuba há 40 e dirige um caminhão de 15 metros de comprimento há cerca de 20 anos. Profissão e trajetória difíceis, mas com uma paixão sem tamanho.

Tudo começou em 1995, quando o marido de Zeugma, Wantuir Amante Alvarenga Jr, comprou uma Scania 111S e começou a viajar com o caminhão. Na época Zeugma morava na roça e trabalhava como produtora rural para ajudar na criação dos três filhos.

Porém, com a distância, o marido começou a sentir muita falta da família nas estradas. Incentivada pelos filhos, a esposa decidiu acompanhá-lo nas viagens. “A saudade, a distância, era choro na ida e na volta”, conta Zeugma.

Empenhada em se adaptar a nova vida que estava levando, buscou aprender dirigir caminhão. No começo foi difícil, tirou carta escondida do marido, mas logo as coisas foram mudando e ganhando apoio do companheiro.

Entretanto, com as contas altas, Zeugma tomou uma decisão e conversou com Wantuir. “Falei pra ele que um caminhão só estava difícil de manter (a vida) no nível que a gente queria, que eles (os filhos) estudassem, se formassem, pra que pudessem ter o caminho deles. Era nossa missão. Aí demos entrada nesse caminhão que trabalho até hoje”, relembra.

Foto: Acervo Pessoal Zeugma

Mas nem tudo foi fácil nessa nova etapa. Zeugma enfrentou desafios e preconceitos no início. “A gente tem que provar que é capaz. Tem que por respeito, ter postura, saber o que faz, trabalhar”, conta. E diz que já ouviu desaforos de pessoas de fora, como “o que está fazendo aqui que não está no fogão”.

Seguindo sua missão, com o passar do tempo ficou conhecida no meio e ganhou respeito. “A gente vai adquirindo respeito. Às vezes ficam uns 20 homens na cozinha do caminhão pra comer, faço comida, não me importo, mas não gosto que falem palavrão perto de mim”. Com alegria ela conta que a classe é muito unida, que um sempre ajuda o outro.

E o casal, apesar de cada um seguir em seu caminhão, sempre se manteve junto na estrada. Ela dirigindo na frente, sempre de olho no marido, que a acompanha logo atrás. “O anjo da guarda sempre atrás e de vermelho”, diz ela sobre Wantuir.

Esse amor e cuidado entre os dois renderam um apelido: Romeu e Julieta das estradas, da rodovia Tamoios.

Foto: Acervo Pessoal Zeugma

Quem a vê dirigindo o caminhão fica admirado. Mas por trás da feminilidade e delicadeza, há uma força dessa mulher que sobe e desce serra à frente de um caminhão pesado, seja com cevada, barrilha ou areia. De Ilhabela à São José dos Campos ou Taubaté.

Zeugma em seu caminhão na fila da balsa de Ilhabela / Foto: Tamoios News

Como a própria Zeugma diz, cada dia na estrada é uma superação, uma surpresa. E foi em um desses dias que seu marido acabou batendo o caminhão, em 2010. Uma nova surpresa da vida, difícil, mas que traria uma novidade inesperada.

Sem saber como pagariam o conserto ou se o vendiam, Wantuir resolveu cortar o caminhão. “Mas como você vai cortar o caminhão? Ele é sua paixão!”, disse Zeugma.

Nesse momento tiveram a ideia de fazer um financiamento, e então começaram as buscas. Wantuir procurou por financiadoras na região, onde tinha conhecidos, mas não teve resposta de nenhuma, até que encontraram uma de fora que se interessou em ajudá-los.

Uma funcionária da financeira foi até a casa do casal para conhece-los, e acabaram criando contato. A moça disse à Zeugma que ela era inspiração para outras mulheres e deveria escrever um livro.

A empresa acreditou tanto na história de Zeugma que, além de conceder o empréstimo, patrocinou o livro, que conta com diversos textos com história e curiosidades da estrada. O livro foi lançado em 2014.

Foto: Acervo Pessoal da escritora Zeugma

Mas, com tantos anos de estrada e muitas histórias acumuladas, ela pensa em futuras publicações. Uma forma de inspirar e relembrar tudo que viveu, já que a ideia de uma aposentaria também já passa em sua cabeça.

“Eu amo minha profissão, mas tira muito da gente. Perdemos comemorações, festa de família. Saio de casa às 3h30 da manhã sem saber que horas vou voltar”, conta. “Tem que ter garra, não é pra qualquer um, não é fácil”.

E se a Julieta das estradas aposentar o caminhão, seu Romeu também vai. “Sozinho ele não quer trabalhar. Estamos juntos há 48 anos e colados até hoje, 24 horas todos os dias”, comemora. Enquanto essa decisão não chega, os dois seguem juntos pelos caminhos da vida.

Em homenagem aos pais, a Filha de Zeugma fez esta imagem no dia do seu casamento. Foto: Acervo pessoal 

 

Por Cynthia Louzada / Redação Tamoios News