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Caso de femícidio abala moradores de São Sebastião e traz à tona problema vivido por mulheres que sofrem com violência doméstica

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A cada 1h30 uma mulher morre no Brasil vítima da violência doméstica; duas mulheres já morreram em São Sebastião em 2016, vítimas do femicídio

Por Ricardo Hiar, de São Sebastião

Um caso de femícidio abalou a população de São Sebastião na noite de quarta-feira (13) e trouxe à tona as discussões sobre um tema que ainda é um grande problema em várias populações, em especial à brasileira: a violência contra a mulher.

Carla Siles, 37, foi morta de maneira brutal pelo ex-marido, Henrique Sampaio, que não aceitava o fim do relacionamento. Eles foram casados por 14 anos, mas devido a problemas que enfrentava na união, Carla resolveu se separar há cerca de um mês. Ela deixou a casa onde morava com o marido na Enseada, para voltar a residir no bairro São Francisco, onde tinha familiares. 

No último encontro entre os dois, após uma discussão, Sampaio desferiu pelo menos dez golpes de faca contra Carla, que chegou a ser socorrida, mas não resistiu aos ferimentos. 

Logo após o incidente, amigos e familiares começaram a divulgar fotos de Henrique Sampaio nas redes sociais, em busca do paradeiro do assassino, que fugiu logo após o crime. Ele foi localizado apenas na manhã desta quinta-feira (14), mas já sem vida. Segundo os indícios, ele cometeu suicídio, se enforcando numa das embarcações no bairro onde cometeu o femicídio.

Amigos criaram uma página no Facebook, em memória da vítima. “Carla Siles foi uma moça que cresceu e viveu em Sao Sebastião, querida e conhecida por muitos. Esses memoriais servem para mostrar a polícia e autoridades locais o quanto a população está indignada e triste com tamanha violência e também para prestar solidariedade com a família Siles”, afirma a descrição do grupo.

Esse não foi o primeiro caso de femícidio registrado esse ano. Em janeiro, Débora Carvalho, 33, foi visitar o companheiro que estava preso no CDP (Centro de Detenção Provisória), de Caraguatatuba, e não voltou mais para casa. Segundo pessoas próximas à vítima, ela já sofria violência doméstica e só foi visitar o companheiro por medo das ameaças que ele continuou fazendo, mesmo preso.

Militantes afirmam que cultura machista ainda é grande responsável pela violência contra mulher 

Para a jornalista Priscila Siqueira, que é uma ativista em movimentos feministas, esse crime em São Sebastião choca a população, mas reflete algo muito mais profundo e que faz parte da realidade de muitas mulheres no Brasil e no mundo.

Segundo conta, não dá para separar o que acontece hoje de questões da própria evolução do homem. Ela explica que historicamente, há milhares de anos e quando os relacionamentos entre homem e mulher eram mais instintivos, a mulher era sozinha para ter os filhos e, de certo modo, possuía mais autonomia. Exemplo disso é que muitas civilizações cultuavam a deusas, sempre na figura da mulher, da mãe.

Mas com o passar do tempo, quando o homem se deu conta da sua participação nesse processo da fecundação, acabou pegando para si o papel de dominador e tendo o controle sobre a situação. 

A jornalista faz até um paralelo com essa questão de dominação da mulher, com o cultivo e domínio da terra, que mais tarde gerou a escravidão. Segundo explica, as formas de dominação estão interligadas e resultam num processo cultural muito forte e similiar, que refletem até a contemporaneidade.

“De 4 mil anos para cá, todos os deuses passam a ser masculinos. O homem considerado imagem e semelhança de Deus e aquele que tem alguns privilégios. Já a mulher, passa a ser vista como a problemática, a pecadora, que traz o sofrimento para a terra. Isso muitas vezes é usado como desculpa para justificar a violência contra a mulher”, comenta.

O grande problema, segundo Priscila, é que atrás desses conceitos, a mulher passou a ser vista como um objeto, pelo qual o homem tem direito. “O homem vira o dono. Ele pode ter mais de uma mulher, mas ela não. Se ela o trair, precisa ser punida. No Brasil, até a década de 30 a lei permitia que o marido da mulher adúltera a matasse em nome da honra”, completou.

Priscila Siqueira diz que a maioria dos homens que chegam ao ponto de assassinar a mulher, não fazem por amor. “Quem ama, quer o bem, cuida. Eles não matam por amor, matam por causa da raiva, da frustração, por ter o orgulho de macho ferido. É inacreditável ver isso acontecendo ainda hoje, em pleno século XXI”, afirmou.

Para Dinalva Tavares, da Associação de Mulheres da Costa Sul, a situação registrada em São Sebastião mostra claramente um caso de femicídio, onde a vítima morreu por ser mulher, mais uma vítima da violência doméstica. Ela lembra que no Brasil, a cada 1h30 uma mulher morre assassinada. Não é à toa que o país ocupa o quarto lugar no mundo no ranking de violência contra a mulher.

Dinalva afirma que a luta é essencial para tentar reduzir esses problemas e algumas conquistas já aconteceram, como é o caso da lei Maria da Penha. Segundo ela, uma das melhores do mundo. 

“A violência contra a mulher é reflexo do machismo, do sexismo, e está em todos os lugares, na classe alta e entre os menos favorecidos. Os homens encaram as mulheres como propriedade e podem decidir sobre o corpo e a vida delas. É algo que está enraizado, mas que é ao mesmo tempo abominável”, completou. 

A ativista acredita que esse panorama só poderá mudar se as bases forem trabalhadas. “Infelizmente, se nada for feito na origem do problema, vamos ver muitos outros casos como este que vimos aqui perto”, finalizou.

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