São Sebastião

Cinco meses após tragédia que matou 17 universitários, famílias fazem protesto por justiça

Tamoios News

Grupo fez um manifesto pacífico em frente a igreja matriz de São Sebastião em lembrança das vítimas que perderam a vida enquanto voltavam da faculdade, em junho

Por Ricardo Hiar, de São Sebastião

Depois de cinco meses desde que uma tragédia tirou a vida de 18 pessoas, dos quais 17 eram universitários, familiares das vítimas fizeram nesta terça-feira (8), um protesto para reclamar do descaso que vêm sofrendo em relação aos processos judiciais e a morosidade para a responsabilização dos culpados pelo incidente.

Pelo menos 20 pessoas se reuniram em frente a igreja matriz de São Sebastião. Eles carregavam cartazes com pedidos de justiça e usavam camisetas brancas com fotos das vítimas. No local, com clima de muita comoção, chegaram a rezar juntos. Segundo muitos dos presentes, o objetivo do ato, que durou cerca de uma hora, foi não deixar a situação cair no esquecimento e cobrar ações mais rápidas da polícia civil e do judiciário.

Em junho, um ônibus da empresa União do Litoral, contratado pela Prefeitura de São Sebastião, perdeu o controle enquanto descia a rodovia Mogi-Bertioga e acabou capotando. Na ocasião, além dos universitários, também morreu o motorista do veículo. Muitos estudantes ficaram gravemente feridos.

Para José Beraldo, advogado de várias das famílias, a ideia do manifesto foi cobrar ações das autoridades. “Temos todas as evidências que a empresa precisa ser responsabilizada, pois foi culpada pelo acidente. O laudo mostrou que ônibus perdeu o controle porque ficou sem freio, e ficou sem freio porque não teve a manutenção adequada. Logo, quem deveria ter feito a revisão era a empresa que, acaba sendo a responsável. O dono dessa empresa precisa ir a júri popular, precisamos de uma resposta da justiça o mais breve possível”, comentou.

Segundo Beraldo, esse crime chocou o país porque jovens perderam suas vidas enquanto buscavam a realização de um sonho. No entanto, ele afirma que a empresa não fez seu papel e não ofereceu a ajuda para as famílias. Muitos dos familiares de vítimas, que foram ao protesto, disseram não terem recebido nem apenas um telefonema de representantes da União do Litoral. Ele diz que além da empresa, a Prefeitura de São Sebastião também está sendo processada pelo acontecimento, já que era a contratante do ônibus e deveria ter fiscalizado as condições dos veículos. O advogado ainda destacou que os alunos não estavam recebendo qualquer favor do município, pois assinaram um contrato pelo qual se comprometiam a prestar serviços voluntários na cidade, após a formatura, para compensar o auxílio transporte.

“Quero justiça”, diz pai que perdeu filha única no acidente

Foto: Ricardo Hiar

Foto: Ricardo Hiar

O caseiro Otacílio Pereira Lima Filho, 54, foi um dos manifestantes desta terça. Ele ainda se emociona ao falar de sua única filha, Rita de Cássia Alves de Lima, que morreu no acidente aos 19 anos. “Quero justiça. Até hoje nunca tive dinheiro e dinheiro nenhum vai trazer minha filha de volta. Só quero que os responsáveis sintam na pele um pouquinho do que tenho sentido esse tempo todo”, disse.

Lima Filho afirmou que os problemas com os ônibus eram constantes, devido à má qualidade e falta de manutenção. “Cansei de socorrer minha filha quando ficava na estrada porque o ônibus quebrava”, comentou. Ele diz que desde o ocorrido, nunca foi procurado por alguém da empresa para prestar solidariedade.

Ele lembra com orgulho da filha, que sonhava em dar uma vida melhor aos pais. “Ela estava estudante enfermagem e dizia que ia vencer na vida e ser para nós, como nós fomos para ela”.

Para o caseiro, a vida perdeu o sentido com a morte da filha, que era muito dedicada aos estudos. “Dois dias depois do enterro da minha filha, recebemos uma ligação de uma pessoa avisando que minha filha havia passado em segundo lugar num concurso e estava sendo chamada para trabalhar. Ela não pode ir, a notícia veio depois de sua morte”, completou.

“É muito difícil, a cada dia parece que tudo aconteceu ontem”, fala zelador sobre perda do único filho

Foto: Ricardo Hiar

Foto: Ricardo Hiar

Para o zelador Jairo Viana de Oliveira, 44, a dor de perder um filho, seu único filho, gera um dor que não tem fim. Ele também é um dos familiares que pede por justiça em relação ao acidente envolvendo o ônibus do transporte universitário sebastianense.

“É muito difícil, a cada dia parece que tudo aconteceu ontem”. E até hoje ninguém fez nada. Só estamos aqui para não permitir que isso caia no esquecimento e que a justiça seja feita. A dor vai continuar”, contou.

Segundo disse, o único contato que teve com alguém da empresa ocorreu após quatro meses do ocorrido, quando alguém o ligou para falar de um seguro do qual teria direito. Ele explica que pediu para que a situação fosse tratada com o advogado e depois disso ninguém falou mais nada.

Guilherme Mendonça de Oliveira, filho de Jairo, perdeu a vida aos 19 anos. Ele cursava designer gráfico e terminaria o curso no próximo mês. O rapaz, que morava com a família em Barra do Una, tinha o sonho de trabalhar na Maurício de Souza Produções, o que estava perto de se concretizar, já que tinha tido um de seus desenhos aprovados num teste. Também não deu tempo.

“Minha mãe diz que eu tenho duas datas de nascimento: quando nasci e o dia que voltei do coma”, conta sobrevivente

Foto: Ricardo Hiar

Foto: Ricardo Hiar

A situação vivida pela família de Felipe Ferreira da Silva, 17, em ocasião do acidente com o ônibus na Mogi-Bertioga, parece até ficção. O jovem estudante do primeiro semestre de engenharia civil estava entre os ocupantes do veículo, mas conseguiu sobreviver.

Apesar disso, não foi uma tarefa fácil. Ele teve traumatismo craniano e deslocamento da coluna. Ficou 32 dias em coma e voltou para casa numa cadeira de rodas. “Era para eu ter ficado tetraplégico, mas graças a Deus estou bem agora”.

Mesmo a medicina não dando muitas chances de reversão do quadro, ele conseguiu superar os desafios e hoje está de volta ao exercício das atividades do cotidiano. “Minha mãe diz que eu tenho duas datas de nascimento: quando eu nasci e o dia que voltei do coma. Eu não me lembro nada sobre aquele dia, mesmo vendo as fotos hoje em dia, mas tenho medo de voltar a utilizar o ônibus”, desabafou.

O jovem precisou trancar o curso de engenharia por causa do tempo de reabilitação. Mas agora que está melhor, pretende recomeçar tudo a partir do próximo semestre. “Vou me mudar para Mogi, já consegui um apartamento para morar lá”, comentou o estudante, que afirma querer evitar o percurso. Ele diz que assim como ele, muitos outros também desistiram da faculdade após o episódio. “Teve gente que voltou no primeiro dia após a retomada das aulas só para ir trancar a faculdade”.

O pai de Felipe, o pedreiro José Josivan da Silva, 40, fala com bastante calma sobre a vitória do filho no processo de recuperação. Mas para ele, o dia 8 de junho é um dia de muitas tristezas. Enquanto Felipe sofreu o acidente e entrou no coma, seu outro filho, de 24 anos, desapareceu. Nesse meio tempo, ele precisou encontrar forças para procurar um filho que não dava notícias e acompanhar o outro, no hospital. O resultado, que chegou logo depois, gerou uma mistura de sentimentos. Felipe se recuperou, mas o outro filho foi assassinado no mesmo 8 de junho. “Tive que ficar indo ao hospital e ao IML ao mesmo tempo. Enquanto perdi um filho, o outro estava entre a vida e a morte depois desse acidente”, relembrou.

Cinco meses depois, ele também diz que não recebeu suporte da empresa União do Litoral. “Tudo deu certo porque recebemos sim muita ajuda, mas de pessoas que até nem conhecemos. Porque a empresa mesmo nunca fez nada. Só ofereceu uma ambulância para buscar ele no dia que teve alta hospitalar, mas a gente já tinha conseguido até isso”, finalizou.

A reportagem tentou contato por telefone com a empresa União do Litoral, mas não teve retorno até o fechamento da edição.

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