
Vila Sahy, Costa Sul de São Sebastião
Projeto de Lei Complementar que está na Câmara há 1 ano prevê autuação contra o responsável técnico e o dono de obra irregular; hoje apenas o dono é multado
Por Nivia Alencar
O Projeto de Lei Complementar (PLC) 03/2014, que trata sobre o Código de Edificações de São Sebastião, estabelece autuação contra proprietário do imóvel e responsável técnico da edificação, solidariamente, em caso de obra irregular. Hoje, somente o dono do imóvel é multado. O PLC foi apresentado à Câmara há mais de um ano, e submetido a discussões públicas. Até 14 de outubro, continuava em poder do presidente do Legislativo, Luiz Antonio de Santana Barroso (Coringa). Ele afirma que o projeto poderá ser devolvido à Prefeitura para correções.
O Código de Edificações é o instrumento que permite à Administração Municipal exercer o controle e a fiscalização do espaço edificado, garantindo segurança e salubridade dos imóveis. Ele estabelece normas técnicas para todo tipo de construção, definindo procedimentos de aprovação de projeto e licenças para execução de obras, bem como os parâmetros para fiscalização do andamento da obra e aplicação de penalidades.
“Detectamos inúmeras falhas de redação desde as mais simples até as que inviabilizariam todo o projeto de lei”, afirma o presidente da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de São Sebastião, engenheiro Luiz Eduardo B. de Carvalho. Segundo ele, o projeto de lei traz duas tabelas sobre medidas mínimas de compartimentos de imóveis para fins de salubridade. “Esse erro gráfico inviabiliza a lei, constatamos também tabelas citadas para consultas não existentes e anexo ilegível”.
No último dia 14, o secretário municipal de Obras, José Evanildo Silva, informou que aguarda aval do prefeito Ernane Primazzi para definir como o assunto será tratado, mas o secretário de Obras já providenciou as correções ao projeto de lei. Segundo ele, 90% das indicações da associação estão atendidas, mas responsabilidade solidária em caso de obra irregular e multas geradas por diretor de Departamento serão mantidas, segundo o secretário.
Responsabilidade solitária
Em relatório de quatro páginas, apresentado ao presidente da Câmara, a Associação dos Engenheiros citou 40 artigos do projeto de lei com falhas. “Fizemos este trabalho de forma voluntária. Com uma lei imprópria não poderemos atender clientes que necessitam ter seus projetos aprovados, a prefeitura perde, a sociedade perde”, afirmou Carvalho.
Consta no artigo 173 do projeto de lei: “Autuação imediata, independentemente das sanções civis e penais cabíveis, no valor de R$ 13,61 (treze reais e sessenta e um centavos) por metro quadrado de área construída, ao proprietário do imóvel e ao responsável técnico da edificação, solidariamente. Em seu manifesto à Câmara, a Associação dos Engenheiros citou que a multa solidária não deve ser aplicada, “sendo o profissional inicialmente notificado a regularizar a situação ou dar baixa da Responsabilidade Técnica, caso haja quebra de contrato por parte do proprietário”. Carvalho considera que a responsabilidade solidária, porém, é importante para evitar maus profissionais. “Chamamos “caneteiros”, profissionais que apenas assinam projetos, sem conhecê-los, eles vendem sua assinatura”.
O engenheiro afirma que o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (CREA) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) fazem constantes ações para identificar e punir maus profissionais. “Na nova diretoria estadual do CREA, três engenheiros perderam seus diplomas. É processo demorado, lutamos pela conscientização”, afirma Carvalho. “Do ponto de vista da prefeitura, é difícil, faltam fiscais. Quanto ao rigor profissional, considero importante a responsabilidade solidária. Nosso receio é como isto será colocado na prática. Se a fiscalização passar para o profissional de engenharia e arquitetura, com certeza vai onerar o contratante”, completa.
Ainda segundo o engenheiro, a melhor forma de resolver o impasse é desvincular a aprovação de projeto do alvará de construção. “Muitas vezes, o proprietário tem o projeto aprovado e o alvará de construção, mas pode levar dois anos para construir. Em caso de população carente, demora até 10 anos, isto não poderá amarrar o profissional. Assim, quando o proprietário quiser iniciar a abra poderá pedir alvará de construção e terá de apresentar o responsável técnico da obra. Se a prefeitura atender esta nossa solicitação, na grande maioria dos casos, os maus profissionais serão autuados”.
Fiscais notificam
Pelo texto do projeto do Código de Edificações, o fiscal municipal terá mantida atribuição para o auto de infração, enquanto “as multas serão impostas pelo Diretor do Departamento competente, em consonância com o Auto de Infração lavrado pelo Agente Fiscal, que registrará a falta cometida” (artigo 204). “Entendemos que as multas devam ser impostas pelos agentes fiscais”, relatou o presidente da Associação dos Engenheiros “Mas não devemos interferir neste aspecto, competência exclusiva da prefeitura, não vejo diferença em a multa ser ou não atribuição do fiscal”. Ele sugere terceirizar a fiscalização com equipe técnica.
Câmara Municipal
Este projeto está na Câmara desde 2014. “É muito lento sim, são vários interesses, muita discussão, realizamos várias reuniões abertas ao público”, afirma Coringa. Ele entende que a responsabilidade solidária é correta porque o responsável técnico tem o dever de acompanhar a obra. “A lei é para assegurar este acompanhamento”. O presidente, porém, afirma que caso seja possível melhorar a lei, tal medida poderá ser feita.
Coringa é categórico ao afirmar que fiscais não poderão perder a atribuição de aplicar multas, “sob pena de não ser possível segurar invasões; se a situação está ruim hoje, poderá ficar pior, a atividade do fiscal fica inviável”. Ele afirma que apresentará emenda ao projeto de lei, caso a prefeitura não garanta esta prática no texto da propositura (Art. 204). “Auto de infração não é multa, diz Coringa.
Secretário de Obras
“Nosso Código de Obras é de 1965, está muito defasado. A nova proposta é praticamente a aplicação do Código Sanitário, contempla a parte de fiscalização e responsabilidade dos profissionais”, explica Evanildo Silva, secretário de Obras. “Quando você contrata um engenheiro ou arquiteto, mesmo que de forma verbal, já está implícito que eles são responsáveis solidários de forma civil ou criminalmente, assim consta no Código Civil. O bom profissional é aquele que acompanha a obra. O primeiro fiscal é o responsável técnico, que está na obra, e o proprietário deve pagar por isto”, afirma Silva. Segundo ele, ao fiscal municipal cabe verificar se a obra está de acordo com o projeto em linhas gerais, enquanto a parte mais complexa é competência do responsável técnico.
O secretário cita trecho do projeto de lei: “O responsável técnico e o proprietário assumem total responsabilidade por todas as informações prestadas no processo. A omissão e/ou falsidade de informações implicará no imediato cancelamento da aprovação, ficando o empreendimento sujeito a embargo, demolição, recuperação da área degradada, além de outras medidas legais cabíveis e o responsável técnico será citado junto ao CREA e/ou CAU”.
Quanto a emitir alvará de construção, quando o proprietário decidir construir, a fim de evitar que o responsável técnico fique à espera de um projeto que demore muito a ser executado, Evanildo afirma que este alvará é válido por dois anos e concedido a partir do projeto aprovado, mediante interesse do proprietário, e que o responsável técnico da obra não precisa ser o mesmo do projeto.
Silva também afirma que a atribuição de fiscais será mantida (notificação). “A multa deve ser gerada na sede da prefeitura para o dono do imóvel, em específico, para evitar a anulação do auto de infração. Em caso de reincidência, por exemplo, este informe só consta no banco de dados, o fiscal desconhece. A notificação continua em poder do fiscal, mas ela também pode ser feita dentro da secretaria, por meio de análise de imagens áreas”, o secretário completa. Segundo ele, a prefeitura tem 11 fiscais de obras. “Trabalhamos com quatro equipes de dois fiscais para todo o município. Afirma que a falta de maior número de fiscais gera atraso na resposta, especialmente na Costa Sul de São Sebastião, onde há maior incidência de áreas invadidas.
“São Sebastião é viável”
O secretário espera que o próximo assunto a ser estudado seja a Lei de Uso e Ocupação do Solo, de 1978 e 1987, a famosa “colcha de retalhos”. Esta Lei define normas gerais, princípios e orientações para a utilização e ocupação do espaço urbano, com o objetivo de garantir o desenvolvimento da cidade de forma equilibrada e sustentável. Ele lembra que a participação da sociedade será muito importante para atualização deste projeto que deve durar mais um ano.
O secretário considera que São Sebastião, em termos de planejamento, é muito difícil porque cada bairro tem uma característica. “Mas é possível consertar. Pode ter certeza, São Sebastião é muito viável, e isto não é sonho, o que precisamos é planejamento”, finaliza.
Assistência Técnica gratuita a famílias de baixa renda X imóveis irregulares
Pesquisa feita pelo Instituto Data Folha a serviço do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil revela que 54% dos brasileiros já concluíram ou reformaram sua moradia. Deste total, 85,4% fizeram as obras sem orientação técnica adequada. A Lei Federal 11.888, de 24 de dezembro de 2008, assegura o direito das famílias de baixa renda (até 3 salários mínimos) à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. Governos federais, estaduais e municipais têm de destinar os recursos para serem aplicados via convênio com iniciativa privada – profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia.