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Colunista Rodrigo Inácio da Silva: Você sabe o que é Uberização?

Tamoios News
Divulgação/Ilustrativa

A uberização é um termo que surgiu a partir do modelo de negócios da empresa Uber, e passou a ser usado para descrever uma forma de trabalho mediada por plataformas digitais, na qual trabalhadores prestam serviços sob demanda, geralmente sem vínculo empregatício formal.

As principais características da chamada uberização são: autonomia aparente ou uma falsa sensação de autonomia: o trabalhador escolhe quando e quanto quer trabalhar, mas na prática, ele precisa se submeter a regras da plataforma e trabalhar longas horas para ter uma renda mínima. O trabalho tem uma intermediação por aplicativos: o trabalho é gerenciado por plataformas digitais que conectam prestadores de serviço a consumidores (como motoristas, entregadores, freelancers etc.).

Em regra, os trabalhadores são considerados “parceiros” ou “autônomos”, o que os deixa sem garantias como férias, 13º salário, FGTS, INSS, entre outros. A remuneração é variável e instável: o ganho depende da demanda, do horário, da localização e de outros fatores fora do controle do trabalhador. O trabalhador é avaliado por clientes e pela própria plataforma, o que pode afetar diretamente sua permanência ou sucesso no app.

Exemplos desse tipo de trabalho são: iFood (entregadores); 99 (motoristas); Rappi Freelancer.com, GetNinjas, Workana (freelancers).

A Justiça do Trabalho tem enfrentado muitos desafios e debates em relação à uberização, porque ela quebra os modelos tradicionais de vínculo empregatício previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Não há uma posição totalmente uniforme ainda. O que há no Brasil no momento é um entendimento prematura do Tribunal Superior do Trabalho e Supremo Tribunal Federal quanto ao tema.

Podemos destacar três linhas de entendimento que têm surgido nas decisões:

1. Reconhecimento do vínculo empregatício:

O TST por exemplo tem entendido que, mesmo com a aparência de autonomia, a relação entre plataformas (como Uber, iFood, etc.) e os trabalhadores preenche os requisitos do artigo 3º da CLT: Pessoalidade (só o trabalhador presta o serviço); Onerosidade (há pagamento); Subordinação (seguem ordens e diretrizes da plataforma); Não eventualidade (trabalho contínuo), desta forma reconhece o vínculo de emprego entre motoristas e empresas de aplicativo.

2. Autonomia com vínculo comercial:

Outra linha de pensamento diz que os motoristas ou entregadores são empreendedores individuais ou “parceiros”, com liberdade para escolher horários, aceitar ou recusar corridas, e trabalhar com vários apps ao mesmo tempo”. Nesse caso, a Justiça não reconhece vínculo empregatício.
Esse entendimento favorece mais as plataformas e tem sido majoritário em muitos TRTs, especialmente quando o trabalhador tem CNPJ ou declara que escolhe seus próprios horários.

3. Terceira via:

Mais recentemente, tem ganhado força a ideia de criar uma nova categoria jurídica para esse tipo de trabalho. Seria uma figura intermediária entre empregado e autônomo, com algumas garantias sociais (como previdência, seguro contra acidentes, piso por hora), mas sem vínculo pleno de emprego. Isso ainda está em discussão, tanto na jurisprudência quanto no Congresso, que tem debatido propostas para regulamentar os trabalhadores de aplicativo.

A Justiça do Trabalho ainda não tem um consenso sobre a uberização. Cada caso costuma ser analisado individualmente, e há decisões em todas as direções.

A falta de recolhimento previdenciário hoje compromete o futuro desses trabalhadores, e isso se torna um problema estrutural para o país, não só individual. O cenário político atual realmente intensifica os radicalismos nas discussões sobre o tema, e isso empaca soluções práticas.

A uberização do trabalho é um tema que precisa ser enfrentado por toda a sociedade brasileira, com seriedade, empatia e uma análise apartidária. Trata-se de um fenômeno que não pode ser reduzido a slogans políticos ou disputas ideológicas, pois atinge de forma direta milhões de trabalhadores que buscam uma fonte imediata de renda.

Por um lado, não se pode negar que as plataformas digitais têm sido responsáveis pela geração de empregos rápidos, muitas vezes em cenários de alto desemprego. Elas oferecem autonomia aparente, flexibilidade de horários e uma entrada imediata no mercado para pessoas que, de outro modo, estariam à margem da economia formal.

Contudo, esse modelo traz também graves riscos sociais e jurídicos. A falta de proteção trabalhista, a ausência de segurança previdenciária, a precarização das condições de trabalho e a exploração disfarçada de autonomia são elementos que desafiam os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho.

Portanto, é essencial que a sociedade como um todo, incluindo trabalhadores, empresas, juristas e o Estado Brasileiro promova uma reflexão inteligente e madura sobre esse novo modelo de trabalho. O desafio é encontrar um ponto de equilíbrio, capaz de preservar a inovação e a liberdade econômica, sem abrir mão da justiça social e da responsabilidade coletiva com o futuro.

É isso aí. Por hoje, é só.

Sobre o Colunista:

O Advogado Rodrigo Inácio da Silva, 45 anos, nasceu na cidade de São Sebastião – SP, é formado em direito pela Universidade Paulista em 2010, Graduado em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia pela PUC/RS,  e pelo curso de extensão universitária em Estado, Sociedade e Políticas Públicas na Contemporaneidade, pela PUC/SP.