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Comandante Sérgio, histórias de uma vida no mar 

Tamoios News

O comandante Sérgio Cunha Ramos, de 60 anos, nascido em Belém do Pará, mas que mora atualmente em Barequeçaba, São Sebastião, se aposentou depois de 40 anos como funcionário da Petrobras/Transpetro. Desse tempo 23 anos foram como comandante de navio petroleiro, daqueles enormes, que os moradores e turistas costumam ver quando estão em alguma praia do litoral norte de São Paulo.

“Sou casado com a Helene e tenho quatro filhas, sendo três biológicas, Carolina, Sofia Helena e Laura Helena e uma filha do coração, a Silvia, que já me deu três netos, que são Mateus, Maria Eduarda e Maria Clara. Me aposentei no último mês, em julho de 2021, no dia 30. Sou capitão de longo curso, pós-graduado em ciências náuticas e também pós-graduado em infra estrutura e gestão portuária. No meu trabalho utilizava o idioma internacional marítimo que é o inglês, mas também falo um pouco de espanhol”, conta o comandante.

A aposentadoria foi somente dos trabalhos marítimos, Sérgio é professor na Capitania dos Portos, em São Sebastião. Ele leciona matérias da área de navegação, estabilidade e regras de manobra. “Dou aula na Marinha desde 2004 até hoje”, deste cargo ainda não me aposentei”, brinca.

Início da carreira 

Desde muito jovem Sérgio já tinha em mente o ramo em que iria trabalhar. “Com 17 anos estava fazendo o terceiro ano do segundo grau e passei no curso da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante em Belém. Em dezembro de 1980 me formei e assinei contrato com a Petrobras, no Rio de Janeiro. Sempre tive uma atração muito grande pelo mar e fui influenciado pela minha família, haja vista que o meu avô e meu tio foram chefes de máquina a bordo de navios mercantes”, conta.

O comandante explica que toda sua carreira marítima foi realizada a bordo dos navios  petroleiros e também no Tebar (Terminal Aquaviário Almirante Barroso). “Foram mais de 40 anos, sendo 23 anos empurrando água, que é um termo marítimo que quer dizer navegando e 17 anos trabalhando na área marítima do Tebar. A bordo dos navios exerci as categorias de segundo oficial de náutica, primeiro oficial de náutica, capitão de cabotagem e capitão de longo curso. Naveguei tanto no longo curso como na cabotagem, operei em todos os portos brasileiros e em portos estrangeiros”, lembra.

Devido ao trabalho, Sérgio conheceu vários países. “Já estive em Portugal, França, Itália, Espanha, Inglaterra, Turquia, Angola, Tunísia, Bahrein, Arábia Saudita, Emirados Árabes, China, Índia, Japão, Cingapura, Estados Unidos, Canadá, Caribe, Venezuela, Panamá, Uruguai e Argentina”, enumera.

Segundo ele, a rotina de bordo é bem parecida com a rotina de terra, mas a diferença é que depois de terminar o serviço ninguém vai pra casa. “A bordo temos serviço de turno e serviço em horário administrativo. O turno é de 4 horas e o horário administrativo é das 7h às 16h. O comandante do navio é o gestor geral da embarcação, ao qual compete o contato direto com o armador, que é o dono do navio, com as autoridades portuárias, além de ser o responsável por toda a segurança, operação e finanças de bordo”, revela.

Os navios de longo curso tem só um comandante e depois vem os oficiais. “São dois segundo oficiais de náutica e um primeiro oficial de náutica e um imediato, que é capitão de cabotagem, isso para os navios de longo curso. Obviamente na hora do descanso, com o navio navegando, os oficiais ficam lá no passadiço, se revezando em turno, sempre tem um oficial de náutica, por isso dissemos que o comandante nunca dorme, porque os oficiais são os olhos do comandante, mas é óbvio que o comandante descansa. O comandante é o único tripulante que não tem horário, ele fica desde cedo, das 8h até por volta das 22h, quando ele se recolhe e vai descansar”, conta.

Segundo ele, a rotina de um comandante a bordo de um navio petroleiro envolve navegação e contatos. “Durante o horário de expediente o comandante vai tratar de obter informações com os agentes do porto que ele está indo, com o armador, que é o dono do navio e com as autoridades que fazem parte de toda a operação. O comandante tem que ter um conhecimento bastante amplo, porque tem que entender de navegação, de gestão e direito marítimo, leis ambientais internacionais e do Código Civil, porque em caso de  falecimento pode fazer um termo de falecimento a bordo e dependendo do local e da situação autorizar que o corpo seja jogado ao mar”, revela.

Sérgio disse que nunca teve essa experiência de ter que jogar algum óbito durante a viagem. O comandante também pode celebrar um casamento a bordo, se houver necessidade. E é importante que ele saiba sobre psicologia para poder ter a tribulação sob controle nas condições de trabalho em alto-mar.

Situações perigosas  

Em todo o tempo de vida no mar, o comandante já passou por várias situações perigosas. “Em 1981 saímos do Brasil para levar o navio Barão de Mauá, com capacidade de 300 mil toneladas de porte bruto, que tem em torno de 370 metros de comprimento e 57 metros de largura. Um navio muito grande de transporte de petróleo. Nós levamos ele para o porto de Bahrein, no Golfo Pérsico, para poder fazer a revisão, nesse período estava em curso a guerra Irã contra Iraque. Levamos 30 dias para chegar no estaleiro no Bahrein. A parte crítica foi quando entramos no Golfo Pérsico, que tínhamos que navegar numa rota permitida de guerra, porém se saíssemos do canal para o lado direito seríamos torpedeados pelo navio do Irã e caso fossemos para a esquerda seríamos torpedeados pelo navio do Iraque. Essa navegação foi super tensa”, recorda-se.

Se a ida foi complicada, a volta não foi muito diferente. “Após um mês de estaleiro fazendo essa revisão, lá em Barein, ficamos aguardando ordem para carregar em um dos países do Golfo Pérsico, porém como não teve acordo recebemos ordem para seguir para carregar no Líbano, mas a seis horas do país recebemos ordem para seguir para a Turquia, pois tinha estourado uma guerra civil no Líbano. Me lembro que carregamos 2 milhões de barris de petróleo da Turquia para o Brasil, precisamente para o Terminal de São Sebastião. Essa viagem levou 120 dias”, relata o comandante, que já passou por outros períodos de guerra, no Golfo Pérsico, na década de 90 e em 2001.

Além de navegar pelos mares em zonas de guerra, o comandante já pegou muito mau tempo. “Já comandei o navio com ondas anormais, de 15 metros, bem característico do sul da África. Já peguei rabo de furacão, próximo da Ilha de Madagascar. Peguei tufão também no mar do Japão e furacão no mar Mediterrâneo. Já vivi a experiência de presenciar uma coisa bem inusitada, a poeira em alto-mar, no sul da Itália, pois a areia vem do deserto do Saara”, relembra.

Sérgio confirmou que existe o risco do navio afundar em situações de mau tempo. “Quando o mar está agitado se não souber navegar corretamente o navio pode virar e vir a afundar. Se você navegar num tempo muito ruim e o navio bater em duas sessões de onda, que pode ser uma na proa e outra na popa, o navio pode quebrar e vir a afundar. Então se não tiver conhecimento ocorre sim. E se não souber carregar, que é a estabilidade, o navio também pode afundar por falta de reserva de flutuabilidade. Por isso chamamos a viagem de uma aventura marítima”, explica.

O maior tempo de viagem do comandante foi um carregamento para a China. “Levamos 45 dias navegando. Saímos do Brasil carregados e fomos até o porto da China”, recorda-se.

Ele explica que o navio tem uma autonomia de 22 mil milhas. “Dá para você sair abastecido daqui do Brasil e chegar lá na Índia, na China, no Golfo Pérsico e abastecer lá também antes de voltar. Abastece na saída e na chegada da navegação”, revela.

Melhor parte!

Nem tudo são espinhos, tem a parte boa. “Já naveguei em lugares tranquilos e maravilhosos, em navegações seguras, sem nenhum problema. Um exemplo clássico que tenho é navegar naquele mar de azul turquesa no Caribe, uma área muito tranquila, óbvio que como em todo lugar tem ocasiões que acontecem mau tempo, mas ali no Caribe eu sempre fui muito feliz”, alegra-se.

Sérgio gosta muito de um provérbio português que fala dos navegadores da época de Vasco da Gama. “Eles dizem assim, se queres aprender a orar, que te faça o mar. É bem interessante mesmo, pois as grandes navegações daquela época cruzaram continentes com as grandes caravelas somente com as velas, então eles passaram por várias situações e com certeza aprenderam orar!”, brinca.

“Eu viajei 23 anos por gostar muito do mar. Foi por gostar muito que eu me mantive tanto tempo a bordo dos navios, eu sempre gostei demais da aventura marítima. Sempre fui muito destemido, mas lógico, respeitava demais o mar, mas através de conhecimentos adquiridos e experiências, eu consegui navegar com respeito e também com segurança” finaliza o comandante.