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Trabalho da coordenadora do Tamar mostra a eficácia da educação ambiental

 

Por João Pedro Néia

 

A oceanógrafa Berenice Maria Gomes, 51, pertence ao restrito rol de pessoas que souberam, desde muito cedo, o que queriam como profissão. Escolheu a melhor faculdade do Brasil em oceanografia, a FURG – Universidade Federal de Rio Grande, quase na divisa gaúcha com o Uruguai. No começo, Berenice sofreu. De família italiana, apaixonada pelo sol, conviveu com a solidão e com a sensação térmica de até 10 graus negativos. “Era bastante inóspito. Ligava toda semana pra minha mãe, chorando, querendo ir embora”, contou.

 Mas a formação no quinto maior centro de oceanografia da América Latina valeu a pena.

De volta a São Paulo com o diploma em mãos, Berenice logo começou a trabalhar na ONG S.O.S. Mata Atlântica, na época recém-fundada. “Fui assistir uma palestra, me apresentei, conversei, e em pouco tempo eu estava trabalhando na S.O.S. Foi o meu primeiro trabalho depois da faculdade”, lembra.  

Berenice começou a se aproximar de Ubatuba há mais de 25 anos, quando realizou um curso na cidade. Acabou trabalhando na FundArt, como conselheira no Conselho Municipal de Meio Ambiente. “Comecei a desenvolver alguns levantamentos para o Tamar porque, nessa época, o projeto já tinha trabalhos importantes nos centros de reprodução de tartarugas marinhas, mas precisava começar os trabalhos nas áreas de alimentação. Era preciso fechar o ciclo de vida. Não adianta proteger a fêmea, o filhote e a desova, se o jovenzinho morre nas redes de pesca. Foi a primeira base de alimentação que o Tamar implantou, e eu fiquei à frente aqui em Ubatuba”, lembrou.

Atualmente, Berenice é Coordenadora Regional do Tamar (Projeto Tartarugas Marinhas) no Estado de São Paulo e está completando 26 anos no projeto.

No começo, o grande desafio em Ubatuba foi a mobilização e a conscientização das pessoas. “Historicamente, o pescador consumia carne de tartaruga, o que em algumas épocas não era nem proibido por lei. Hoje é proibido. As espécies foram entrando em extinção e a legislação ambiental foi se aprimorando”, diz. Segundo Berenice, o principal foco do Tamar é o diálogo e o trabalho conjunto com os pescadores e as comunidades tradicionais. Sem a educação ambiental e a cooperação dos pescadores, seria impossível realizar qualquer trabalho.

“Aqui a gente depende 100% da interação com o pescador, dele entender e aceitar nossa causa, dele querer trabalhar com a gente”, diz. “Ubatuba tem mais de 70 praias, não existe a possibilidade de fazer o monitoramento de todas elas, o tempo inteiro. Então você trabalha com a educação ambiental ”, completou.

A pesca é a principal causa de morte de tartarugas marinhas. A segunda é a ingestão de lixo jogado no mar.

Berenice passou meses visitando os pescadores, num trabalho de convencimento sobre a importância da preservação.

“A tartaruga retira o oxigênio do ar. Se ela fica presa na rede no fundo do mar, quando o pescador recolhe, às vezes ela parece morta, mas pode estar afogada. Então o pescador pode fazer uma massagem e salvar a tartaruga. Eu pedia para os pescadores que, se encontrassem uma tartaruga assim, para que fizessem a massagem. Assim você retira água do pulmão e muitas vezes ela pode se reanimar. Agora, imagina há 25 anos, uma paulistana, lá nas praias, pedindo primeiro para não comer a tartaruga, e segundo que se ela tivesse afogada, para fazer a massagem”, conta.

Uma história em particular ainda emociona Berenice e revela a eficácia da educação ambiental.

“Uma noite eu voltei de uma festa na FundArt, por volta de umas 10 horas. Quando cheguei, tinha um monte de pescador sentado na calçada na frente da minha casa com uma tartaruga. Eles estavam animados, porque ela tinha ficado afogada, eles fizeram a massagem e salvaram a tartaruga. Eu tinha o material em casa, a gente colocou a anilha nela e soltou no mar, à noite mesmo. Foi uma situação emblemática. Foi a primeira tartaruga e a primeira vez que eles ajudaram”, lembra.  

Os pescadores, hoje, são parceiros. “Eles preenchem uma ficha de inscrição e o Tamar monitora as redes de pesca. Eles informam o que acontece. Se alguma tartaruga foi pega, eles avisam pelo rádio e a gente vai fazer a marcação da tartaruga ou prestar socorro se for o caso”, explica Berenice. A anilha com que é feita a marcação do animal vem dos EUA com os dados da tartaruga, e mede a rota migratória, o que ajuda a entender o comportamento de cada animal. Fixada nas nadadeiras, é uma espécie de R.G. da tartaruga.

A Petrobrás é a patrocinadora nacional do Tamar. O projeto de Ubatuba também conta com os patrocínios da Arcor e da prefeitura. “Desde o primeiro ano, independente da gestão, sempre foi entendido que o Tamar é importante pra região”, diz. “O Tamar tem 35 anos, mas ainda tem chão, porque os problemas vão mudando, mas não acabam”, finalizou.

Neste ano, o Tamar está comemorando 20 milhões de filhotes salvos no Brasil.

A sede do Projeto Tamar em Ubatuba, no bairro Itaguá, tem 3600m2. São 48 funcionários diretos, mais um número considerável de pessoas envolvidas no projeto. Tudo o que é vendido na loja do Tamar é feito de maneira autossuficiente, gerando renda para comunidades caiçaras e quilombolas que fabricam enfeites e suvenires em parceria com o Tamar.

Admiradora de Gandhi, Berenice não recusa um desafio. Participa de vários outros conselhos, como o Núcleo Picinguaba, o SIGAP (Sistema de Gestão de Áreas Protegidas) e o Conselho Municipal do Meio Ambiente.

A agitada mulher não tolera a rotina. Estudou em colégio de freiras até a oitava série. Convenceu as Irmãs e as colegas a trocar a festa de formatura por uma viagem para Florianópolis. “Algumas colegas queriam me matar”, lembra rindo.

Inconformada desde muito jovem, Berenice acredita que as pessoas têm que se mobilizar e “não apenas ler uma notícia e aceitar”. “A sociedade pode muito mais do que imagina”, diz a oceanógrafa, que na adolescência participou de uma ONG em defesa das baleias e fundou, em parceria com um amigo de escola, a ONG Grupo Terra Firme. “O grupo era eu e ele”, diverte-se. 

Apaixonada por fotografia, Berenice, que é mãe de um casal de filhos, caminha todos os dias, mantém uma alimentação saudável e aparenta ser dez anos mais jovem que os seus 51 anos.

“O que me move é o sentimento de que ainda tem muita coisa que eu quero fazer.”

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