
Professora Neide, 3 décadas de empenho e ensinamentos
Apesar dos dilemas e das dificuldades, o amor pela arte de ensinar ainda é o grande motivador de muitos professores
Por Ricardo Hiar
Profissão desafiadora, que exige muita dedicação, estudos e investimentos. Uma atividade que contribui grandemente com a sociedade em todos os níveis, com a formação do indivíduo, mas que nem sempre recebe o devido valor e reconhecimento. Essas são algumas das formas como a carreira de professor pode ser vista, mas não se resume apenas a isso.
O ato de ser professor vem se transformando, principalmente devido a chegada das novas tecnologias, exigindo ainda mais daqueles que se encorajam a desbravar esse campo. Os cursos de licenciatura podem não ser os que mais atraem ingressantes nas universidades, mas mesmo diante de um cenário nem sempre otimista, muitas pessoas ainda acreditam e se dedicam a essa profissão.
Seja por amor à atividade ou aos alunos, por vocação ou vontade de contribuir para a sociedade, ainda há vários motivadores que contribuem para a manutenção e continuidade dessa, que é uma das profissões mais importantes do mundo.
Hoje, 63 anos após o presidente João Goulart decretar o 15 de outubro como Dia do Professor, por meio do decreto 52.682/63, a reportagem do Tamoios News traz dois relatos: o de uma professora que já atua há mais de 30 anos em Ilhabela e o de um estudante do último semestre de pedagogia de Caraguatatuba.
O sonho de estudar e ensinar
Neide Maria de Souza tem 61 anos, mas metade de sua vida ela vem dedicando ao que considera sua vocação: ensinar crianças do ensino fundamental. O que há três décadas é uma realidade em sua vida, já foi um sonho, plantado em sua infância, mas conquistado apenas na vida adulta.
Natural de Caraguatatuba, Neide viveu até os 7 anos na Fazenda dos Ingleses, quando os pais atuavam na agricultura. Na vida simples da ‘roça’, o estudo não era algo priorizado. Ela chegou a ser matriculada numa escola, mas por falta de condições para adquirir materiais, precisou parar. “Hoje em dia os alunos ganham material, merenda e tudo mais que precisam para estudar. Naquela época não tinha nada disso e eu não pude continuar estudando”, contou. Essa curta experiência educacional, porém, a fez despertar uma meta: ela queria ser professora.
“Ver minha professora na sala de aula naquela época fez eu querer muito estar um dia ali, naquela posição, de ensinar as crianças, de ser uma educadora”, relembrou.
Mas a tarefa não seria muito fácil, pois ela não pode retornar aos estudos enquanto morava com os pais. O motivo principal era de que o pai não achava necessário que filha estudasse. “A gente era treinada para casar. Meu pai falava tanto sobre isso que me dava muita raiva. O resultado é que no fim eu nunca casei”, comentou.
Segundo Neide, aos 18 anos ela se mudou de Caraguatatuba para São Sebastião em busca do sonho de estudar, pois era o único local onde havia vagas para adultos. Foi uma tarefa árdua. Ela passou pelo antigo Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), depois continuou estudando até chegar ao magistério. Mesmo antes de concluir o curso, começou a atuar em sala de aula como assistente e não parou mais de lecionar.
Desafios de ensinar, além do mar
Há 15 anos Neide Maria embarcava, literalmente, para uma ‘aventura’ profissional que lhe traria muitas mudanças. Ela aceitou trabalhar como professora na Ilha de Búzios. A comunidade tradicional de caiçaras possui uma escola e precisava de uma professora para as crianças locais.
O que difere, no entanto, é que o acesso à ilha só ocorre pelo mar, numa viagem de, pelo menos, duas horas de barco. Por conta disso, o professor que atua nessa unidade precisa morar na escola e só volta ao continente uma vez por mês.
“Nunca pensei que existisse esse lugar, até chegar lá. Parecia um sonho enquanto eu navegava mar adentro. Mas quando cheguei, a realidade era outra. Os hábitos do continente com os quais eu estava acostumada, não existiam. Tive que me despir de tudo que eu vivia e acreditava, para vestir uma nova roupagem. Foi muito difícil no começo e cheguei a pensar em desistir”, completou.
A educadora conta que sempre gostou de desafios e foi isso que a motivou a continuar. No segundo semestre do ano letivo, porém, os alunos ainda não mantinham um vínculo de confiança com ela e ninguém tinha sido alfabetizado. Frustrada pela falta de resultados, ela pensou novamente em abandonar o desafio.
No fim do dia, sem ter ninguém para conversar, ela começou a cantar a música “A canoa virou” para o único ser que mostrava interesse em receber a atenção dela: um cachorro. Esse ato foi o suficiente para despertar a curiosidade das crianças. “Alguns disseram que eu estava louca, cantando para o cachorro, mas outros depois queriam saber que música era aquela e pediram para aprender”.
Isso motivou a professora a não dormir à noite e reformular todo o plano de ensino, utilizando itens que fossem ao encontro das necessidades e particularidades desses alunos. O resultado veio ao final do ano, quando todos estavam alfabetizados.
Segundo a educadora, viver na Ilha de Búzios é uma questão de hábito. “Aqui eu não posso ter vontade de comer algo diferente, por exemplo, porque não vou ter como ir e comprar. Então é um novo modo de vida, mas depois que você acostuma, não quer mais sair”.
Esse é o exemplo de Neide, pois mesmo já tendo se aposentado, preferiu ficar na ilha e continuar trabalhando. Atualmente ela tem uma turma multi-seriada, de 9 alunos. “Me sinto abençoada por estar aqui. Enquanto eu me sentir útil, tiver saúde e disposição, eu estarei na sala de aula”, finalizou.
Um olhar positivo sobre a profissão
Jefferson Magno Costa está no último semestre do curso de pedagogia. Aos 42 anos, ele resolveu migrar da área de hotelaria e turismo, na qual sempre atuou, para a educação. Bastante otimista e com uma visão positiva sobre os rumos da educação, assim como seus projetos pessoais, ele acredita que o grande diferencial para a otimização da área também dependa do comportamento do profissional de educação.
Nascido em Sorocaba, Costa se mudou há alguns anos para Caraguatatuba para auxiliar os pais, que são idosos e requeriam mais atenção nesta fase. Ele já havia cursado três anos de psicologia e, ao analisar o mercado profissional no litoral, considerou que a pedagogia seria uma área em que teria boas condições de atuar, não apenas por gostar da área e estar mais próxima da anterior, mas também pelas possibilidades de atuação.
“As pessoas nem sempre dão o devido valor à área da educação, mas ela é tão complexa quanto outras, até mesmo como a medicina. Quando atuamos na educação infantil, a criança está em fase de desenvolvimento e é preciso dominar muitas técnicas, na teoria e prática, para contribuir corretamente com esse desenvolvimento, que terá reflexos pela vida”, completou.
Segundo o estudante, muito do que ocorre com a área está ligada à imagem que as pessoas criaram, de forma pejorativa, da educação como um todo. “Quando estamos num grupo e as pessoas perguntam para todos quais os cursos estão fazendo, se falar que faz engenharia, medicina, direito, todo mundo aprova. Mas quando fala que faz pedagogia, as pessoas torcem o nariz”, disse.
Jefferson Costa considera que é pela falta de investimentos em políticas públicas que o professor não atinge um patamar de remuneração de outros profissionais, mas vê de forma positiva o fato de não faltarem vagas no mercado. “A área da educação sempre vai precisar de professores qualificados. Se o profissional se dedicar, continuar estudando, fazer uma pós, um mestrado, ele pode conquistar melhores rendimentos”, explica.
O universitário lembra que certa vez leu um artigo que dizia “a sociedade quer bons professores para seus filhos, mas não quer que seus filhos sejam professores”. Ele acredita que esse seja o senso comum da sociedade em relação à área, o que contribui para sua desvalorização.
“Escolhi essa área porque gosto. Ensinar é produzir conhecimento, é ser um instrumento na elaboração do conhecimento. Por isso tenho orgulho da área que escolhi, não ligo para o senso comum. Pretendo seguir e crescer nessa área”, concluiu.