À beira-mar, onde a memória das marés se mistura às urgências do presente, moradores com longa trajetória comunitária seguem na linha de frente da cidadania em São Sebastião. Eles lideram associações de bairro, pressionam por saneamento, cuidam das restingas e manguezais, e articulam conselhos que moldam o futuro da cidade. No dia 1º de outubro, quando o mundo celebra o Dia Internacional da Pessoa Idosa — criado pela ONU em 1991 para valorizar o envelhecimento ativo — São Sebastião oferece exemplos concretos de como experiência pode ser sinônimo de protagonismo.
Um Brasil que envelhece, um litoral em transformação
O Censo 2022 do IBGE mostra que o Brasil já tem 32,1 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, cerca de 15,8% da população. O índice de envelhecimento — que mede a proporção de pessoas idosas em relação às crianças — alcançou 80,0, quase o dobro de uma década atrás. Globalmente, a ONU projeta que até 2050 uma em cada seis pessoas terá mais de 65 anos.
No Litoral Norte, essa realidade ganha contornos particulares. São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba viram a população idosa crescer mais que a média nacional. Em Caraguatatuba, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade aponta a cidade como uma das melhores do Brasil para se viver depois dos 60. Em Ilhabela, a chegada de aposentados que transformam casas de veraneio em moradia fixa também muda o perfil demográfico.
Na Costa Sul de São Sebastião, essa onda migratória se intensificou: famílias que passavam férias há décadas agora escolhem o litoral como endereço definitivo. É um “retorno afetivo” que reforça a presença de moradores mais velhos e traz novas vozes para associações e coletivos.
Vozes da experiência
Luiz Attiê, engenheiro e advogado, 73 anos, chegou a São Sebastião no início da década de 1980, quando a carência de serviços básicos era evidente. “Tivemos muito trabalho para conseguir um orelhão, que era um telefone público, única forma de comunicação com a capital. Assim começou o envolvimento para melhorar nossa região”, relembra. Na diretoria da Associação dos Amigos da Juréia desde 1998, ele acumula também o cargo de presidente da Federação Pró-Costa Atlântica, que representa as associações de bairro de São Sebastião: “Temos muito orgulho do trabalho que fazemos. Temos conselheiros atuantes no Conselho de Saúde, no Conselho de Segurança, no Urbanismo, no Meio Ambiente, no Parque Estadual da Serra do Mar, no Comitê de Bacias do Litoral Norte e sempre que possível agimos em colaboração com os governos estadual e municipal, buscando melhorias para nossa região. É um esforço grande, contamos com bons conselheiros e temos tido sucesso.”
Carla Marangolo, Administradora de Empresas, 69 anos, frequentadora do Sahy desde a década de 1980, tem uma trajetória de liderança comunitária desde o início da década de 1990: “Sou Administradora de Empresas, tenho 69 anos e frequento o Sahy desde a década de 1980. Minha trajetória de liderança comunitária começou no início da década de 1990. Hoje coordeno a AMOR (Amigos do Morro – moradores da Rua Maria Caetana), integro a diretoria da SABS (Sociedade de Amigos da Barra do Sahy), sou Conselheira do Meio Ambiente pelo COMAM (Conselho Municipal de Meio Ambiente) e participo tanto do Grupo Técnico de Saneamento quanto da Câmara Técnica Orientadora sobre Licenciamento Ambiental.”
Décio Moreira Galvão, caiçara, 83 anos, corretor de imóveis há 51 anos, foi vereador de 1976 a 1978 e o 3º prefeito nomeado de São Sebastião durante a ditadura militar, filiado à Arena. Atuou ainda na primeira equipe operacional da Petrobras em 1968. Morador do Pontal da Cruz, vem de família tradicional de comerciantes e recorda um tempo em que 70% da população era formada por caiçaras nativos. Muitas das obras públicas da época nasceram de parcerias e doações de terrenos de amigos também caiçaras: “Sempre tive uma satisfação enorme de atender meu povo. O maior desafio é que o idoso ainda continua desprezado. Na minha condição, sigo atuante, sempre tenho o que fazer. Precisamos de respeito, saúde e dedicação às condições de ocupação e lazer. Vejo que quem vai para a ociosidade tem a saúde mais abalada, enquanto quem se mantém ativo tem mais saúde. O fato de eu ter sido político me faz ter mais engajamento, mas, de modo geral, o idoso precisa de mais segurança. Eu acompanho o Brasil diariamente.”
Essas lideranças não se veem como “idosas”, mas como moradoras ativas que ainda têm muito a entregar. O reconhecimento, para elas, não é apenas pessoal: é comunitário.
Desafios de envelhecer no litoral
Apesar do protagonismo, envelhecer em São Sebastião e no Litoral Norte traz obstáculos concretos:
Saúde: rede sobrecarregada, carência de geriatria e fisioterapia.
Acessibilidade: calçadas irregulares, ladeiras e bairros de encosta dificultam a mobilidade.
Clima extremo: tragédias como a de fevereiro de 2023 mostraram como moradores com mobilidade reduzida são mais vulneráveis em enchentes e deslizamentos.
Inclusão digital: parte significativa ainda encontra barreiras para acessar serviços públicos e informações online.
Custo de vida: sazonalidade do turismo pressiona preços e serviços.
Esses desafios revelam a necessidade de políticas públicas integradas, que garantam saúde, mobilidade, segurança habitacional e redes de cuidado para essa população.
Legado e futuro
O protagonismo das lideranças experientes de São Sebastião não é apenas herança — é ação presente. Elas formam novas gerações, cuidam da natureza e seguram a cidadania nas mãos. No Dia Internacional da Pessoa Idosa, a cidade mostra que envelhecer não é se afastar, mas sim estar ainda mais próximo do bem comum.
Por jornalista Poio Estavski