
Dona Tereza teve uma infância sofrida, mas lutou por dias melhores e até hoje mantém a fé e o bom humor
Por Conrado Balut, de São Sebastião
Ao se preparar para dar a primeira entrevista da vida, Maria Tereza dos Santos, mais conhecida como dona Tereza, vestiu uma de suas melhores roupas. O local escolhido para o bate papo foi sua casa, uma humilde residência situada no bairro Pontal da Cruz, em São Sebastião. “Estou à sua disposição”, disse a senhora de 83 anos, com as mãos nervosas e um largo sorriso estampado no rosto.
A “baiana arretada”, orgulha-se em dizer que nasceu em Salvador – “na Cidade Alta, moço, onde tem o Elevador Lacerda”. Não sabe ler, nem escrever, pois na infância, fora proibida. Segundo sua madrinha à época, ela usaria isto para escrever cartas para namorados. Atualmente, a octogenária mora sozinha, porém, evangélica fervorosa há 30 anos, “missionária e profeta”, nunca se considera só. “Jesus esta sempre comigo”.
Independente, dona Tereza não se deixa levar pela idade avançada e é facilmente vista transitando pelas ruas da cidade. “Pego ônibus, vou a pé, saio, pago minhas contas e faço tudo sozinha, sempre de bom humor”. Reflexos do orgulho de ter enfrentado e vencido uma vida de muita luta.
Em sua infância, aos 11 anos, o destino deu-lhe o primeiro golpe. Sua mãe, Maria Amália dos Santos, faleceu. Seu pai fora morar com outra mulher e abandonou os dois filhos, Terezinha, como era chamada em Salvador, e Manoel José dos Santos, irmão um ano mais velho e do qual, desde então, nunca mais teve notícias.
Os cinco anos seguintes talvez tenham sido os mais duros da sua vida jovem. Indo morar na casa de sua madrinha, ela tinha que dormia em caixotes de laranja. Suas roupas de “cama” eram feitas de sacos de farinha de trigo. “Até as calcinhas que eu usava eram feitas de sacos de farinha de trigo, daqueles grossos”, relembra.
A garota também era obrigada muitas vezes a ficar na escada principal da casa, até 4h ou 5h da manhã, esperando os filhos da madrinha voltarem dos bailes que ela nunca teve permissão para ir. E a comida? “Era sempre menos pra mim. Eu era tratada como escrava”.
Quando completou 16 anos, Terezinha tomou uma decisão: arrumou um emprego, saiu de casa e foi em busca de uma vida melhor. Trabalhou aqui e ali, morou lá e acolá, e assim foi se sustentando. Por insistência de amigos, conheceu sua primeira religião, o Candomblé.
Foi no Candomblé que dona Tereza passou a ganhar notoriedade, respeito e, segundo ela, coragem. Apesar de não gostar de falar desta passagem, confirmou ter ficado, de certa forma, famosa por seus trabalhos e ser constantemente procurada por quem precisasse de ajuda.
Juntava dinheiro para poder ir viajar. Rodou Belo Horizonte, Rio de Janeiro e foi justamente em uma viagem à São Paulo, por intermédio de uma prima, que mudou o rumo. Apresentada à família do empresário Elzon Rocha, Terezinha, aos 20 e poucos anos, logo caiu nas graças de todos, tornando-se governanta da mansão e vivendo os 14 anos mais doces de sua vida. “Eu era muito bem tratada. Como se fosse da família. Vivia bem arrumada, parecia granfina! O senhor Elzon não me deixava viajar de ônibus, era sempre de avião, e quando eu voltava, a família fazia aquela festa”.
A constituição da família
Além da casa em São Paulo, a família Rocha era detentora de posses em São Sebastião, como a Fazenda Santana – propriedade localizada no bairro Pontal da Cruz – lugar onde Dona Tereza veio trabalhar e conheceu Cornélio, “o melhor jardineiro de São Sebastião”, segundo ela.
Cornélio já tinha uma pretendente, mas Dona Tereza venceu a disputa e casou-se com ele, aos 40 anos e virgem. “A família era muito ciumenta, não deixava eu namorar ninguém com medo que eu fosse embora. Mas como já estava com 40 anos, eu disse: chega”, e complementa: “Casei virgem sim. Deixei amadurecer bastante porque queria ter certeza. Aqueles eram outros tempos”, disse em meio a risos e sinais de vergonha.
Cornélio e Tereza foram casados por 19 anos e tiveram duas filhas: Ângela e Iara. De Ângela, a mais velha, o casal ganhou três netos, Joaquim, Igor e Thayline. Nesse meio tempo ela se converteu ao evangelho, situação que o marido não aceitava muito bem.
Mesmo assim, a relação de ambos era boa. Juntos, compraram uma casa no bairro da Enseada, região norte de São Sebastião e outra no Pontal da Cruz, região central – casa esta que Dona Tereza reside atualmente. Até que em 1992, o destino deu-lhe o segundo golpe. De pneumonia, Cornélio veio a falecer e Tereza, mais uma vez, teve de recomeçar sozinha.
A filha mais velha, Ângela, era casada e morava com sua família. Dona Tereza, viúva, partilhava a casa com a filha mais nova, Iara, e sobrevivia da pensão deixada pelo marido.
O terceiro e mais duro golpe sofrido pela idosa ocorreu há 12 anos, quando sua filha e companheira, Iara, vítima de câncer aos “20 e poucos anos”, morreu em seus braços no leito do hospital, após dias de luta contra a doença. “Olha, a pior dor que um ser humano pode sentir é a de ter que enterrar um filho. Sofri como nunca. Até hoje eu não passo nem perto mais de um cemitério, é horrível”, contou Dona Tereza, baixando o tom de voz e com nítida expressão de abatimento.
Religião
Sozinha, a moradora de São Sebastião teve de reunir todas as forças e enfrentar mais um recomeço em sua vida. Desta vez, sem o marido e sem uma das filhas, dona Tereza se apegou à religião como forma de superação. “Tudo o que eu faço hoje é pela obra do Senhor e buscando ajudar o próximo. Muitas vezes, as pessoas batem em minha porta pedindo, oração, comida, qualquer tipo de ajuda. Eu o faço com muito prazer. Gosto de ajudar os outros”, relata.
Mesmo avessa à política, dona Tereza contou que já foi procurada por cinco prefeitos eleitos de São Sebastião devido a “força de sua oração”. “Já orei por muita gente. Cinco prefeitos da nossa cidade já me procuraram para que eu abençoasse seus mandatos”, disse com ar de importância.
Hoje, a Pérola Negra – apelido dado carinhosamente pela amiga, Vilma Scian – é notoriamente bem quista por todos que a conhecem. Nas redes sociais, quando anunciado que a última homenageada do “Portal Tamoios News” à Semana da Mulher, seria a Dona Tereza, várias mensagens de apoio e carinho foram deixadas.
Apesar da vida difícil que teve, dona Tereza segue firme rumo aos 90. Bem comunicativa e irreverente, não deixou o bom humor nem mesmo na despedida desta entrevista. “Se eu fosse mais nova, me casaria com você”, disse Dona Tereza, gargalhando, a este repórter.