Dia Internacional de Combate a Homofobia, celebrado neste domingo (17), mesmo sem ativismo lgbt faz comunidade gay “marcar território” nas quatro cidades da região
Por Marcello Veríssimo
Ano 2015, a Rede Globo já permitiu dois beijos gays em suas novelas de horário nobre e, há mais de 10 anos, a extinta MTV Brasil transmitia o primeiro “Fica Comigo”gay, programa de namoros para jovens da época que teve beijo na boca de dois homens, apresentado pela então estreante e sempre bela Fernanda Lima. O tempo passou, as redes sociais explodiram no mundo, o narcisismo tomou conta de todos: o Instagram, o Facebook, a superexposição nos aplicativos, diversas redes sociais e, mesmo assim, ainda existem homossexuais que no Dia Internacional de Combate a Homofobia, celebrado neste domingo (17), impedidos de viver, enrustidos dentro do armário, talvez, segundo especialistas, por uma própria fobia social de si mesmos. Pior, enganam, constroem famílias, têm filhos, mas desejam o frentista do posto de gasolina ou ficam na internet buscando relacionamentos “discretos” que satisfaçam sua natureza. Em uma cidade pequena como São Sebastião, ou uma região como o litoral norte ser gay, para muitos, está relacionado à promiscuidade, à Aids, ao preconceito forte, paradigmas que, com o tempo, vêm sendo debatidos ou quebrados. Em Caraguatatuba, por exemplo, mesmo que na escuridão (e com riscos) os gays se encontram na orla da Praia do Indaiá. Geralmente, utilizam a internet para se conhecer, mas São Sebastião tem uma peculiaridade maior: o medo de que a orientação sexual seja “descoberta” faz com que muitos se anulem nesse aspecto de vida, procurem uma igreja ou vivam na solidão. Na região, aparentemente, não existem ONG’S e ativismo lgbt que defendam os direitos dos homossexuais. As novas gerações estão mudando esse quadro triste e assumindo suas identidades. Há dois anos duas meninas se beijaram durante participação do pastor Marco Feliciano, em evento evangélico, na Rua da Praia. O caso ganhou repercussão nacional com apoio de celebridades como Daniela Mercury nas redes sociais, hoje elas travam uma batalha na Justiça contra o pastor.
Mas elas fizeram história por ajudar muitos jovens a se assumirem perante suas famílias, nas escolas. E é justamente na escola que os educadores têm notado uma diferença no comportamento das crianças e adolescentes para melhor nessa questão. “Eles estão bem integrados hoje em dia. É algo que não diminui, mas tem sido menos visível”, disse a educadora Perica Michelucci, dona de colégio em São Sebastião há anos. “Antigamente, o aluno ‘diferente’ era mais ridicularizado por ser gordo, por usar óculos”, ela completa. Para ela, a internet e os casos de agressões – e outras notícias sobre gays – divulgados na imprensa contribuem para inibir as demonstrações de preconceito entre os mais jovens. “Não há rejeição por parte dos coleguinhas só por tal pessoa ser de um jeito e outra de outro. A escola é um dos melhores lugares de convivência social”. A coordenadora de outra escola particular do município, Patricia Moreira, logo diz que “a escola não é preconceituosa. É uma escola bem família. Sou negra, pra começar, então mantemos uma relação bem natural”, disse ela. Na escola, assuntos como bullying e sexualidade são trazidos para a sala de aula e isso ajuda a fazer com que o assunto seja apaziguado e parte do cotidiano. “O preconceito sabemos existe sim, mas não aqui na nossa escola”, enfatiza Patrícia. De acordo com o escritório do IBGE, em São Sebastião, não existem “ainda” pesquisas nesse sentindo. No site oficial do instituto o mecanismo de busca também não exibe resultados para a palavra homossexualidade. Segundo o IBGE, não existe pergunta específica para este tipo específico de população na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios). Para o IBGE poder quantificar a população homossexual no Brasil é preciso que sua opção ou orientação sexual seja declarada. O Cartório de Registro Civil de São Sebastião informou que, desde a aprovação do casamento gay no Brasil há cerca de dois anos, realizou em média 20 casamentos entre pessoas do mesmo sexo, incluindo uma união estável.
Não é doença – A ONU (Organizações das Nações Unidas), a OMS (Organização Mundial da Saúde), entre outros órgãos máximos da saúde como o CRF (Conselho Federal de Medicina) desde a década de 60 já não considera mais a homossexualidade humana como doença, ou qualquer outro tipo de transtorno patológico. De lá para cá, foram diversas conquistas, mas ainda muito precisa ser feito contra o preconceito, dizem os especialistas. “A homossexualidade humana não é patológica, portanto não há cura”, explica a psiquiatra de São Sebastião, Claudia Flausino. “Já existem normativas para os profissionais da Saúde e Educação tratarem os homossexuais”, ela completa. Profissionais dessas categorias que manifestam preconceito recebem repúdio das entidades reguladoras das áreas e podem ter seus diplomas cassados.
Entre as conquistas recentes que os cidadãos homossexuais conquistaram no Brasil estão a possibilidade de efetuar sua união estável e, mais recentemente, a possibilidade de obter o registro de identidade com o chamado nome social, ou seja, independente do sexo existe a orientação de gênero que é o que o homem ou a mulher incorpora para si ao longo da vida. A ciência está entendendo isso. “Hoje possuímos uma gama de diversidade biológica”, aponta a psiquiatra. Essa “gama de diversidade biológica” a que a doutora se refere talvez seja o maior impasse burocrático para a inclusão dos homossexuais nos dados da PNAD. Hoje a comunidade gay no Brasil é representada pela sigla LGBTT – sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros –, mas é usada também para identificar todas as orientações minoritárias ou divergentes do sexo de nascimento. “O nome social é o nome que a pessoa escolheu ser chamada, que a identifica, conta sua história”, afirma Claudia, que ainda opina: “Dentro de quatro paredes tudo o que é feito por duas pessoas desde que seja consensual é indiferente, e deveria ser indiferente para todos”, completa.
Causas – A homofobia pode ser gerada a partir de um trauma que um heterossexual tenha passado que, até certo ponto, dizem os especialistas são comuns em determinadas fases da vida como, por exemplo, ter uma relação homossexual na infância e ficar com medo de ser gay para o resto da vida. “Isso pode gerar um sentimento de culpa e raiva que leva à homofobia”, explica o Life Coach, Master em PNL (Programação Neurolínguistica) de São Sebastião, Giobert Gonçalves.
Para mudar isso, diz ele, precisamos realizar um trabalho “ressignificação” da crença limitadora dessa pessoa. De acordo com Giobert, esse é um dos tipos de situação mais comuns, mas existem ainda o estimulo religiosos, culturais, entre outras, que dessa certa forma não deixam de ser resultado do primeiro exemplo. É a chamada crença cega, explica o terapeuta. Trata-se de uma espécie de reação a algo que a pessoa acredita sem reclamar, sem questionar e que pode ser transmitida por gerações. “Por exemplo, se o pai de um menino sofreu abuso, ai o filho dele provavelmente vai ser criado achando que isso é errado, é feio”, diz ele. A crença cega pode ser refletida em diversos aspectos da crença popular.
Naturalidade – Professor de Língua Portuguesa, escritor, intelectualizado e um dos vereadores mais votados na última eleição. Gleivison Gaspar, o professor Gleivison, diz que para ele tudo sempre aconteceu “de forma muito natural” tanto que não se considera um ativista. “Não sou um ativista, sou uma pessoa comum. A questão, pra mim, não é ser gay, a questão é ser autêntico, você tem de ser feliz do jeito que você é, por isso não admito que ninguém interfira na minha felicidade. Então eu não minto para mim mesmo e muito menos para as pessoas”, disse Gaspar, em um relato emocionante. Para ele, não existe “problema” com a homossexualidade “assim como não vejo problema com a heterossexualidade, com a bissexualidade”, analisa. De acordo com ele, em nossa era contemporânea ainda existir preconceito com orientação sexual “é um tremendo buraco sem fundo, isso é muito complicado, pois se a gente rotula ou diminui uma pessoa por ela ser homossexual, como é que fazemos com os heterossexuais que tem os fetiches mais loucos, por exemplo?”, ponderou o vereador. Gleivison disse ainda que, para ele “homofobia, intolerância e ignorância formam um trio desolador”. Os reflexos disso podem ser vistos atualmente na receptividade negativa que parte do publico brasileiro teve ao casal lésbico vivido pelas atrizes Natália Thimberg e Fernanda Montenegro, na atual novela das 21h. “O homofóbico é com razoável frequência alguém que não se encontrou nem nas ideias, nem na cama”. “A homofobia é o extravasar desse desejo mal resolvido ou de uma tendência mórbida para a violência.”.
De fato, Gleivison quer dizer que tudo está relacionado e ampliado com as redes sociais. “Essa pessoa homofóbica é a mesma que prega sem qualquer fundamento contra negros, nordestinos.A homofobia é só mais uma face da ignorância dela”, disse. Bastante querido em São Sebastião, Gaspar disse que sempre se divertiu muito com a sua sexualidade, jogando aberto, sem culpa e falando verdadeiramente com seus alunos. “Talvez tenha sido o pioneiro dessa verdade em São Sebastião já que também escrevi durante 10 anos uma coluna sobre Língua Portuguesa no extinto jornal da cidade.” “Por que teria medo, sou filho de uma empregada doméstica, semianalfabeta; sofri nas mãos de padrasto alcoólatra e só fui ter um lugar pra morar com 10 anos de idade. Um cortiço show de bola! O destino que me desculpe, mas já sofri o que tinha de sofrer em se tratando de preconceito.”
A alternativa, segundo Gleivison, para a felicidade é ser natural e autêntico sem ser desrespeitoso. “Eu entro e saio dos lugares Gleivison. Não entro e saio dos ambientes me adaptando, camaleônico”. “Você tem de respeitar as pessoas, as famílias, as religiões, os valores individuais assim como você quer ser respeitado. É básico!” completou. “Na verdade, tem gente que se acostuma com a escuridão do armário. Eu não. Eu prefiro o arco-íris aqui fora.”