Para o engenheiro civil Ivan Carlos Maglio, especialista em Saúde Ambiental e pesquisador do IEA-USP e do LabVerde da FAU-USP, é muito importante tratar as consequências da crise climática nas cidades do Litoral Norte de São Paulo com a inserção de medidas de adaptação e mitigação aos impactos dos riscos e impactos climáticos no contexto do planejamento urbano, conforme orientam as diretrizes da conferência Habitat III da ONU.
“Estamos em crise climática, como podemos observar nas conclusões do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas publicado em agosto de 2021, que confirma que o aumento de 1,5º grau centígrado na temperatura média será alcançado em 2040, e que mesmo no cenário com menores emissões de gases de efeito estufa essa média chegará a 1,6º graus centígrados entre 2041 e 2060, apenas voltando a 1,4 em 2100, sendo que para isso seria necessário zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050”, relata Maglio.
O relatório sobre Mudanças Climáticas prevê que eventos extremos continuarão a ocorrer como a tragédia que aconteceu em São Sebastião em fevereiro deste ano, que causam inundações, escorregamentos e secas, infelizmente podendo ocorrer até perdas humanas e materiais. Para Maglio, as cidades brasileiras devem reduzir suas emissões de CO2 que ampliam o risco de aquecimento global, mas já se encontram com uma enorme vulnerabilidade social e ambiental, e são os locais com maior vulnerabilidade que vão sofrer os efeitos mais perversos dessa crise anunciada. “Infelizmente, esse foi o caso de um evento extremo, as fortes chuvas que ocorreram nas cidades de Bertioga, São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba”.
O relatório do IPCC em 2021 confirma essa tendência de crise, assim como, os próprios eventos extremos tanto de chuva quanto de seca, e a previsão é que até 2030 outra grande seca pode ocorrer, apesar dos reservatórios estarem cheios, devido ao último verão ter sido extremamente chuvoso e com eventos acima de 100 mm e 200 mm de chuva e o extremo de 600 mm em poucas horas, como na madrugada de 19 de fevereiro que atingiu as cidades do Litoral Norte.
“O último relatório síntese de 2023 do IPCC da ONU lançado em abril de 2023, mostrou um dado muito importante, que existe uma janela de tempo, mas ela vai acabar, essa janela é agora, e temos que fazer a lição de casa, e que nossa capacidade de adaptação tem limites, ou seja, se não reduzirmos essas vulnerabilidades sociais e ambientais não há como evitar certas tragédias, e estamos à beira desse limite”.
Para Maglio as cidades precisam se adaptar, e indaga o que e como fazer? Em primeiro lugar há necessidade de melhor conhecermos o território, bem como, suas características ambientais e das vulnerabilidades sociais da população, como no caso de São Sebastião. É preciso gerenciar esses riscos e aumentar a resiliência do meio urbano, melhorando as cidades, evitando a ocupação de encostas, protegendo as matas, ou seja, criando condições mais favoráveis para se adaptarem para enfrentarem esses desastres.
“Observando o Plano de Ação Climática de Santos instituído em 2022, verificamos que foram identificadas diversas áreas críticas com vulnerabilidade social e ambiental a riscos climáticos, entre elas a área do Monte Serrat, e outras em situações até mais difíceis como a Vila dos Criadores. O PAC 2022 chegou até aí na identificação dos riscos, mas os moradores dessas áreas sequer conhecem a gravidade dos riscos a que estão expostos, e é necessário um trabalho profundo de divulgação dessas informações e de articulação com essas comunidades para organizar a participação delas em conjunto com os agentes de defesa civil e com melhoria das condições de monitoramento de risco com a implantação de Estações Meteorológicas de Monitoramento, com medição de chuvas e ventos, ao mesmo tempo em que é preciso promover projetos e medidas de adaptação para reduzir o impacto desses riscos climáticos”, reflete o engenheiro.

Áreas críticas com vulnerabilidade a risco climático na cidade de Santos – SP
O engenheiro Ivan Maglio elaborou o Plano Diretor de São Sebastião e ressalta que a situação da cidade ainda é mais crítica, as autoridades responsáveis pela a aprovação do PL em 2021, desconsideraram os mapas de risco de inundação e escorregamento elaborados pelo IPT em 2017, que apontavam as várias áreas de alto risco, como a Vila Sahy, ou seja, já havia um Plano de Contingência para agir na cidade e em tempo hábil retirar as pessoas dessas áreas já conhecidas.

Mapa de áreas de risco de São Sebastião – SP
“Portanto, não faltam informações e conhecimento técnico, mas existe uma certa subestimação e descaso no tratamento do problema, há de fato uma injustiça climática, uma espécie de “deixa para lá que vai ocorrer só em casos extremos e atingir só os pobres”, mas na realidade toda a população poderá ser atingida em diferentes graus, mas com maior intensidade para quem já vive em locais de risco e são socialmente mais vulneráveis”, alega o engenheiro.
No caso de São Sebastião o aviso do risco iminente chegou pelo CEMADEN-Centro de Monitoramento Nacional de Desastres Naturais e pelo Sistema de Defesa Civil Federal na quarta-feira e na quinta já foram feitas reuniões com as defesas civis estadual e municipal, o problema é que a partir daí houve um evento extremo o volume de chuva foi três vezes superior ao previsto de 200mm, e que já era muito alto, e não houve iniciativa suficiente e orientações em tempo hábil para retirar as pessoas e minimizar os impactos da tragédia. O resultado, 65 mortos, vários feridos e milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas.
“Além disso, conforme a imagem a seguir, o desastre de São Sebastião deixou sequelas na Serra do Mar, com cicatrizes e perda de vegetação, e áreas de drenagem soterradas, instáveis e que precisarão ser corrigidas para não gerar novos riscos futuros. “Essas áreas já impactadas precisam ser recuperadas com métodos adequados de plantios combinado com bombardeio aéreo com mistura adequada de sementes nativas da Mata Atlântica e plantios manuais, para recuperar a proteção e redução da vulnerabilidade aos riscos de novos escorregamentos nas encostas da Serra do Mar”.

Escorregamentos ocasionados pelas fortes chuvas em São Sebastião
Maglio revela que uma comunidade ficou isolada na praia de Fortaleza, na cidade de Ubatuba, em uma situação muito grave. As fortes chuvas atingiram vários pontos com escorregamentos nas ruas que dão acesso ao bairro impossibilitando o tráfego e uma pedra de mais de 15 toneladas ficou exposta com risco de cair sobre cerca de 25 casas, os moradores não receberam a devida atenção da prefeitura municipal, embora com muito esforço da defesa civil, do instituto de pesquisa ambiental, do ministério público e da imprensa no gerenciamento do risco.

Pedra de mais de 15 toneladas exposta na praia de Fortaleza, em Ubatuba
A Agenda de Gestão de Risco e da Agenda de Adaptação e Resiliência à Mudança Climática, precisam ser mais integradas. Uma pesquisa com 1063 Agentes da Defesa Civil no Brasil, coordenada por MARCHESINI mostrou que os próprios agentes da defesa civil não têm informações suficientes sobre o que fazer em determinadas situações, e é necessária muita capacitação desses profissionais que atuam na linha de frente na gestão dos riscos. Esse documento recomendou a criação de um Plano Nacional conjunto entre gestão de risco e na adaptação das cidades à mudança climática e no aumento da resiliência com áreas verdes e soluções de engenharia, para fortalecer capacidades de planejamento no nível municipal. Precisamos engajar a sociedade civil para combater a desinformação e colocá-la nos processos de gestão para atuar junto com a defesa civil e os órgãos técnicos como o CEMADEN.
Para o Engenheiro Maglio é necessário implantar estações de monitoramento de chuva e ventos no litoral norte com informação rápida transmitida em estações de controle com dados acessíveis ao público, as pessoas precisam ser avisadas e participar ativamente da gestão do risco e serem treinadas para saber o que fazer previamente. As cidades do Litoral Norte não são resilientes, as pessoas moram em locais inadequados, precisam ser construídas moradias em lugares seguros e criar uma nova visão de planejamento includente, com cidades mais preparadas para enfrentar os riscos climáticos, com áreas verdes e infraestruturas, habitação em áreas adequadas, com maior capacidade de resistir a eventos extremos, estruturados em estratégias e Planos de Adaptação à crise climática que inclua a revisão da resiliência das políticas públicas e das infraestruturas urbanas e sociais existentes nas cidades do litoral norte de São Paulo.
Eng. Civil Ivan Carlos Maglio – Dr. em Saúde Ambiental – Pesquisador do IEA-USP e do LabVerde da FAU-USP. Coordenador do PAC 2022 pela GIZ, e consultor da PPA Política e Planejamento Ambiental Ltda. ivmaglio@gmail.com. Site http://planejamentoambiental.com/http://planejamentoambiental.com/
Redação/Tamoios News


