Objetivo é envolver os agentes públicos municipais nas ações de enfrentamento da escravidão contemporânea, beneficiando as vítimas e contribuindo para a erradicação da prática
O Ministério Público do Trabalho (MPT) se reuniu na quarta-feira (27/10), em ambiente telepresencial, com as chefias do setor de Assistência Social e secretários de Saúde de municípios do Vale do Paraíba e do Litoral Norte paulista, com o objetivo de capacitar os agentes públicos sobre como identificar trabalhadores em condições análogas a de escravo e/ou que foram submetidos ao tráfico de pessoas, e como proceder à denúncia dos casos identificados às autoridades competentes.
Além da procuradora Celeste Maria Ramos Marques Medeiros, do MPT em São José dos Campos, participaram da capacitação a coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), Lys Sobral Cardoso, e o procurador Ulisses Dias de Carvalho. Para falar sobre tráfico de pessoas, a convidada foi a professora Rosana Baeninger, do Núcleo de Estudos Populacionais (NEPO) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
A iniciativa decorre de um procedimento promocional (PROMO), instaurado de ofício pelo MPT em São José dos Campos, a partir de recentes casos de resgate de trabalhadores de condições análogas à escravidão no Vale do Paraíba. O PROMO é uma ferramenta de atuação que possibilita a realização de um trabalho preventivo de forma difusa e coletiva.
Para a procuradora Celeste Maria Ramos Marques Medeiros, a participação dos municípios na identificação dos casos, por meio das Secretarias de Assistência Social e da Saúde, possibilitará que as instituições de enfrentamento do trabalho análogo ao de escravo atuem de forma mais rápida e eficiente, mas tem como objetivo principal evitar que as vítimas se mantenham por tempo demasiado submetidas a condições de escravidão contemporânea.
“A partir dessa capacitação, os serviços de assistência social e de saúde pública dos municípios que tiverem contato com as vítimas de trabalho análogo ao de escravo e de tráfico de pessoas terão melhores condições de identificá-las e saberão como proceder junto aos órgãos de proteção das vítimas e de combate à prática. A ideia é que o conteúdo abordado na capacitação seja replicado pelas chefias entre os profissionais da área”, disse.
Durante a reunião, os procuradores explicaram o conceito jurídico de trabalho escravo contemporâneo, como ele é tipificado pela lei, as formas de submissão (trabalho degradante, jornada exaustiva, servidão por dívida, aliciamento, trabalho forçado, etc) e chamaram atenção para a necessidade de um olhar mais atento e humanizado por parte dos agentes públicos. “É preciso que se tenha uma sensibilidade no trato com a vítima, porque muitas vezes, nem ela sabe que está sendo submetida a condições análogas à escravidão. Por isso, é muito importante que haja acolhimento e que a investigação seja feita com muito cuidado e respeito”, finalizou Celeste.
A representante da UNICAMP, por sua vez, mostrou aos presentes o trabalho realizado pelo NEPO, envolvendo o mapeamento e movimentação de migrantes, e como trabalhar a identificação e prevenção ao tráfico de pessoas.
Um novo encontro está previsto para acontecer em fevereiro de 2022, oportunidade na qual os representantes dos municípios apresentarão ao MPT os resultados da capacitação, e como está sendo feito o monitoramento da questão em cada localidade.
Participaram da capacitação os representantes dos municípios de Aparecida, Areias, Caçapava, Cachoeira Paulista, Campos do Jordão, Caraguatatuba, Cruzeiro, Guaratinguetá, Igaratá, Ilhabela, Jacareí, Jambeiro, Lorena, Pindamonhangaba, Piquete, Queluz, Santo Antônio do Pinhal, São Bento de Sapucaí, São José do Barreiro, São José dos Campos, Silveiras, Taubaté, Tremembé e São Sebastião.
Casos recentes
Em junho de 2021, O MPT, o Ministério do Trabalho e a Polícia Federal efetuaram o resgate de uma trabalhadora doméstica em São José dos Campos que era mantida em condições análogas à escravidão há mais de 20 anos, tendo iniciado a prestação de serviços ainda adolescente.
Segundo as provas angariadas no inquérito, a trabalhadora era vítima de restrição de liberdade e se manteve impedida de qualquer convivência social por mais de duas décadas.
A trabalhadora recebeu todas as verbas rescisórias devidas, bem como os reflexos previdenciários do período da prestação de serviços, e ainda foi indenizada em mais de R$ 300 mil como forma de reparar os danos causados.
Em junho de 2020, um idoso de 61 anos foi encontrado em situação análoga a de escravo em uma propriedade rural em São José dos Campos. Ele vivia com a mãe em uma moradia em condições degradantes e dependia de vizinhos para se alimentar.
O empregador providenciou a reforma da propriedade, que está sendo transferida definitivamente para o nome do trabalhador, conforme cláusula prevista em TAC firmado com o MPT.
Em setembro de 2019, uma empregada doméstica de origem indígena também foi resgatada no Vale do Paraíba. Ela não recebia salários e era impedida pelos empregadores de contatar a família.
Um TAC firmado perante o MPT possibilitou a quitação de salários e da rescisão contratual, além de possibilitar o retorno da jovem de 20 anos ao estado do Amazonas. Os patrões estão respondendo pelo crime de redução de trabalhadores à condição análoga à escravidão e tráfico de pessoas.
Fonte: Ministério Público do Trabalho (MPT)