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No Dia Mundial dos Manguezais, a APA Baleia-Sahy representa uma vitória ecológica do Litoral Norte

Tamoios News
Mangue da Barra do Sahy - Imagem ICC

Poucos territórios expressam com tanta clareza a possibilidade de convivência entre a vida humana e os ciclos naturais. O manguezal da Barra do Sahy, no litoral norte de São Paulo, é um deles. Localizado dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Baleia-Sahy, esse remanescente de Mata Atlântica resiste há décadas à especulação urbana, propostas de marinas, loteamentos de luxo e projetos que prometeram desenvolvimento, mas quase apagaram a vida que ali pulsa. Diferentemente de tantos outros manguezais no Brasil, este segue de pé — e pleno de biodiversidade.

A APA Baleia-Sahy foi criada em 2013 a partir da mobilização do Instituto Conservação Costeira (ICC) e da sociedade civil. Desde então, é cogestionada pelo ICC e pela Prefeitura de São Sebastião. A unidade abrange mais de quatro milhões de metros quadrados de Mata Atlântica e protege um corredor ecológico entre encostas, rios e zona costeira. Em sua atuação local, o ICC articula-se com entidades como a PROSAN (representante da comunidade caiçara), a Sociedade Amigos da Barra do Sahy (SABS), a Sociedade Amigos da Praia da Baleia (SABALEIA), o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual, a Fundação Florestal, a CETESB e o Governo do Estado de São Paulo.

Neste 26 de julho, Dia Mundial de Proteção aos Manguezais, o território celebra mais do que uma data ambiental. Celebra uma permanência. Nas águas salobras do manguezal da Barra do Sahy, onde a lama abriga larvas de caranguejo e alimenta aves raras, já foram avistadas ariranhas, lontras e espécies ameaçadas da fauna atlântica. No entorno, estudantes conduzem pesquisas, voluntários limpam as margens e juristas enfrentam tribunais em nome da conservação. Trata-se de uma rede viva, onde a vida marinha e a terrestre se alimentam mutuamente, sustentadas por quem nunca se desligou do chão que habita.

Em comemoração à data, o ICC promoveu uma vivência ambiental no manguezal. A atividade integrou a Oficina de Férias do instituto, projeto itinerante que percorre a Costa Sul com ações de campo, trilhas, exposições, cinema ambiental e atividades educativas. Na vivência, crianças, jovens e famílias caminharam entre raízes aéreas, observaram fauna, ativaram os sentidos e refletiram sobre o papel ecológico do mangue. A proposta não era apenas ensinar — era fazer sentir. A educação ambiental, ali, não formava plateia: formava pertencimento.

Mas a história dessa proteção vem de antes. A origem da Barra do Sahy remonta a 1850, quando Maria Caetana, uma mulher negra alforriada, adquiriu parte da antiga Sesmaria da Mãe Bernarda. Com seu companheiro, Izidoro Francisco Xavier, fundou a comunidade entre o mar e o rio, estruturada em torno da pesca artesanal, da agricultura de subsistência e da fé popular. Foram seus descendentes que, por mais de um século, mantiveram viva a relação de cuidado com o território — uma tradição que antecede qualquer legislação ambiental.

Nas últimas décadas, no entanto, esse modo de vida passou a conviver com pressões crescentes. A valorização imobiliária da costa paulista transformou áreas preservadas em alvo de interesses econômicos. Na década de 1980, diante da ameaça de construção de uma marina dentro do manguezal, moradores e veranistas fundaram a SABS para barrar o avanço. A criação da APA Baleia-Sahy, décadas depois, foi o desdobramento legal e político dessa resistência.

O caso mais emblemático desse conflito veio à tona recentemente: o condomínio Reserva da Mata, implantado em área de preservação permanente, no entorno do mangue. A primeira denúncia partiu do Instituto Conservação Costeira, que acionou o Ministério Público e articulou uma frente de proteção com a SABS. O processo teve repercussão nacional e resultou na condenação das construtoras e da Prefeitura de São Sebastião ao pagamento de R$ 500 mil por danos ambientais.

A decisão judicial, embora celebrada, não anulou os impactos humanos do caso. Muitos moradores do empreendimento alegam ter comprado seus imóveis confiando em promessas de sustentabilidade. “Compramos um sonho, agora vivemos um pesadelo”, disse o síndico do condomínio em entrevista ao Tamoios News. O caso escancarou uma contradição comum no litoral brasileiro: entre o marketing verde e a realidade legal do território, quem perde quase sempre é o meio ambiente — e, com ele, as comunidades tradicionais.

Além de denunciar violações e cobrar reparações, o Instituto Conservação Costeira atua em projetos de regeneração. Eleito em 2024 como a melhor ONG ambiental do Brasil, o ICC desenvolve ações como restauração florestal com drones, criação de unidades de conservação, campanhas educativas e assessoria técnica para comunidades em áreas de risco. Na APA Baleia-Sahy, sua presença tem sido constante, conectando escolas, moradores, técnicos e lideranças públicas em torno de um mesmo princípio: proteger para permanecer.

A preservação do manguezal da Barra do Sahy é, portanto, muito mais do que um esforço ambiental. É uma afirmação política e cultural de que certos modos de vida, como o caiçara, não apenas respeitam o território — são parte dele. No entrelaçar das raízes do mangue, das histórias de Maria Caetana e das lutas contemporâneas por justiça climática, a APA Baleia-Sahy se reafirma como um símbolo daquilo que o Brasil ainda pode salvar.

Por jornalista Poio Estavski