Meio Ambiente

O Meio Ambiente a Favor do Povo

Tamoios News
foz do acaraú final

Por João Pedro Néia

Na semana do meio ambiente, Ubatuba realiza o VI Festival da Mata Atlântica, Florestas, Rios e Mares, evento que vai até o dia 7 de junho e conta com diversas atividades voltadas à causa ambiental.

O portal Tamoios News aproveitou a efervescência que o festival injeta na cidade para conversar com o secretário do meio ambiente, Juan Blanco Prada, sobre os inúmeros problemas da região. Filho de espanhóis que vieram para o Brasil durante a ditadura do General Franco, Juan morou uma década nos EUA, onde se formou em Gestão Ambiental e Agroecologia e se envolveu de forma intensa com movimentos sociais e ambientalistas.

Defensor do pequeno agricultor e da economia solidária, o secretário falou de temas como as invasões ambientais, a poluição dos rios, a falta de uma coleta seletiva de lixo na cidade, e o recente projeto de lei 37/15, que protege as cachoeiras da cidade de intervenções das empresas: “Uma vitória”, garante.

“Mais que um ambientalista, eu luto pela justiça sócio ambiental, acho que uma não pode se separar da outra”, diz.

Tamoios News – Qual a importância do festival para Ubatuba?

Juan Blanco Prada – O Festival já está na sexta edição e a gente está mudando um pouco o patamar dele, que era uma coisa mais doméstica. A gente sabia desde o princípio que o festival tem um potencial muito grande de virar uma marca cultural de Ubatuba. Ele tem tudo a ver com o que é o nosso território. A mata atlântica define Ubatuba. E o festival tem esse sobrenome (Floresta, Rios e Mares) porque são uma coisa tão importante, uma cidade com 11 rios e infinitos córregos, e, claro, o mar. Não dá pra falar de Ubatuba sem pensar no mar. Mas ao mesmo tempo a gente queria divulgar tudo isso. Nossa população não conhece e não interage com a Mata Atlântica. Não sabe que 90% do nosso território é de mata preservada. E tem outro aspecto, que é divulgar isso pra quem vem de fora, que é aquele turismo de verão, de temporada, que fica na areia, gera recursos para a cidade, mas também cria problemas, como saneamento, lixo, trânsito. A gente acha que para o turista, conhecer nossas comunidades tradicionais, nossa culinária caiçara, a mata atlântica, as trilhas de observação de aves, é um potencial imenso e é esse o objetivo do festival.

TN – A poluição dos rios, especialmente o Acaraú, é um problema antigo da cidade. O que tem sido feito pelo poder público?

JBP – Esse é um problema de extrema complexidade. Primeiro, pra não virar uma tarefa de enxugar gelo, você precisa coibir as fontes de poluição. Não adianta fazer a despoluição se você vai continuar lançando poluentes no rio. O crescimento de Ubatuba levou à multiplicação de moradias, muitas sem acesso ao esgoto. As coisas começam a piorar no momento em que há um crescimento exagerado da Praia Grande. Começam a surgir problemas de balneabilidade, e aí se criam várias outras soluções. Uma delas é que se abre uma vala de drenagem que dá no rio Acaraú. A outra é que as duas estações de tratamento de esgoto, da Sabesp e da Coambiental, despejam o seu efluente, que é tratado, mas tem uma porcentagem pequena de fosfatos e nitrogênios, e que acaba caindo no Acaraú. Toda essa carga de esgoto, tratado e não tratado, da Praia Grande e de praticamente toda a região central acaba vazando lá. Então é um problema de complexidade enorme. Estamos atrás de uma universalização dos sistemas de esgoto, estamos em discussões muito sérias com a Sabesp. Isso é uma situação que se desenvolveu ao longo de 30 anos, não vai ser resolvida de uma hora pra outra. Precisa de compromisso não só desta gestão da prefeitura, mas de todas as que entrarem depois. Nós sentimos que hoje estamos colocando os alicerces, fundamentando o trabalho que vai direcionar o trabalho de quem quer que esteja na prefeitura de Ubatuba.

TN – Ubatuba tem um número muito alto de residências sem ligação com o esgoto. Há casos de pessoas que se recusam a fazer a ligação. Como resolver essa questão?

JBP – Primeiro passo é denunciar na vigilância ambiental. A lei é clara: onde existe rede pública de tratamento de esgoto, é obrigação fazer a ligação. O Ministério Público tem fiscalizado de perto o plano de saneamento das cidades, e está exigindo ações judiciais. A prefeitura vai até certo ponto. Nós notificamos, multamos. Mas o poder de obrigar a fazer só quem tem é o judiciário. Em alguns casos mais graves, nós vamos entrar, junto com o MP, com ações contra alguns desses que já foram autuados algumas vezes. A própria Sabesp nos notifica onde estão essas moradias, a vigilância ambiental vai e autua, impõe a multa. Mas quem se recusa realmente só vai ser obrigado por um juiz.

 TN – O Projeto de Lei 37/15 foi aprovado recentemente na Câmara,  após a polêmica com a cachoeira da Renata. Isso, obviamente, foi  uma vitória do povo. [Em 2012, a Sabesp iniciou uma obra de  captação de água na cachoeira da Renata, no bairro sertão da  quina. A obra descaracterizou a cachoeira e gerou inúmeras  manifestações populares. O projeto de lei 37/15 declara as    cachoeiras como patrimônio turístico, cultural e paisagístico de  Ubatuba e visa proteger as quedas d’água].

 JBP – Sim. A gente conseguiu aprovar sem oposição nenhuma. O  que aconteceu na cachoeira da Renata foi uma infelicidade, e passou  por todos os trâmites antes de nós assumirmos a gestão. A questão é  que, quando [uma obra] é legal, você não pode interromper. A  prefeitura não pode dizer “eu não gosto, então eu vou parar”. Foi    tudo dentro da lei, o que não quer dizer que seja correto.

Como representante do poder público eu tenho obrigação de fazer o que é legal. Mesmo que não concorde, como é o caso da Cachoeira da Renata. Mas essa questão nos deu o alerta de que faltava um instrumento para proteger as cachoeiras, porque a captação de água nessas características é considerada por lei de baixo impacto ambiental. Mas vimos que precisávamos proteger as cachoeiras como um patrimônio cultural, paisagístico. E esse Projeto de Lei surgiu com esse intuito. Não só contra a Sabesp, mas contra qualquer um que se sinta no direito [de prejudicar a natureza por interesses econômicos]. Cria mais um nível de proteção dentro do município, que nos ajuda a ter uma voz, para que a gente possa dizer: “isso pode, isso não pode”. Temos que olhar a cachoeira não como um recurso, mas com a importância cultural que elas têm. Então, sem dúvida, foi uma grande vitória.

TN – Por que Ubatuba não tem uma cooperativa de reciclagem de lixo e nem serviço de coleta seletiva?

JBP – A situação hoje de Ubatuba é equivalente ao que acontece na maioria dos municípios do nosso porte, em termos de população. Até melhor. Nosso lixão foi encerrado há bastante tempo. Mas nós não temos um serviço de coleta seletiva. Foi criado o plano de resíduos sólidos, ele foi aprovado em dezembro do ano passado. Ainda é uma coisa recente, está em fase de implementação. Existe uma comissão interna da prefeitura, e nós acabamos de contratar uma consultoria que vai trabalhar junto com a secretaria de meio ambiente para preparar os padrões, definir o que vai ser requerido das empresas que farão o serviço a partir do próximo contrato. Nós não podemos modificar um contrato em vigência. Esse contrato se encerra agora, e já para o fim desse ano ou começo do ano que vem se fará nova licitação. Ubatuba é um município muito peculiar. Pra sua população fixa de 90 mil habitantes, Ubatuba tem um território imenso. E você precisa atender da mesma forma as 4 mil pessoas que moram na região Norte, ocupando uma área de 50km de rodovia, e também o núcleo central, onde moram 60 mil pessoas numa área muito menor. É muito mais simples prestar serviços no centro, então a gente vai ter que fazer um esforço muito grande de coleta em todas essas áreas, e vamos ter que organizar isso com a empresa que fizer esse novo contrato. Parte dessas cooperativas nós vemos como pequenas cooperativas, não como aquelas macrocooperativas das grandes cidades, operando com 70, 80 pessoas. Nós queremos dar uma força para a sociedade civil, para as associações de bairro, que podem ter um papel importante nisso.

TN – O mundo ainda não aprendeu a lidar com a questão da terra, e o pequeno agricultor continua, na maioria dos casos, sendo negligenciado pelo poder público. Como Ubatuba vive essa questão agrária hoje?

JBP – Eu vejo a importância de fixar o homem à terra porque hoje a agricultura, que é o que dá de comer a nós todos, ela fica na mão de grandes empresas do agronegócio. A base da nossa alimentação não pode ser o milho e a soja. É importante, para o meio ambiente, a fixação do agricultor à terra, à agroecologia, à agricultura orgânica. Esse é um aspecto fundamental, as pessoas voltarem a viver da terra. Quem vive da terra preserva a terra. Só de compras de merenda escolar, a prefeitura passou de 30, 40 mil reais ao ano na gestão anterior para mais de 1 milhão ao ano. Isso é um apoio muito grande ao agricultor. Muitas coisas nós ainda não conseguimos comprar em Ubatuba, mas o fato de destinar 1 milhão de reais por ano para o bolso dos nossos agricultores, pela venda dos seus produtos, é um incentivo grande e uma forma de começar a mudar isso, porque o que falta é que o pequeno agricultor tenha recursos.

TN – O palmito Juçara é um recurso muito importante na nossa região. Qual a importância do Projeto Juçara?

JBP – O juçara é uma espécie em extinção. E a grande beleza do projeto foi a mudança de visão. Foi deixar de ver a juçara como um recurso pelo palmito para ser um recurso pelo fruto. Porque pelo fruto você não precisa cortar a árvore, pelo palmito sim. E isso foi o que levou quase à extinção do juçara. Hoje, o plantio é para se aproveitar a polpa, porque o juçara é parente próximo do açaí, tem o mesmo uso, inclusive visualmente é fácil de confundir. E isso aos poucos está sendo introduzido como forma de recuperar o palmito juçara, que é muito bom, inclusive, para o equilíbrio ecológico, é uma fonte de alimento para a fauna da Mata Atlântica.

TN – As invasões ambientais provocam impactos no meio ambiente. Como conter essas invasões?

JBP – O problema das invasões é que ela é movida por uma dinâmica socioeconômica muito mais forte que qualquer prefeitura. No litoral norte estão os municípios do estado de São Paulo que tem maior crescimento demográfico. Esse crescimento é migratório e vai aumentar mais. Hoje, a nossa área de maior impacto de crescimento desordenado é o extremo sul, a região do sertão do Araribá. São pessoas que estão vindo trabalhar em obras em Caraguá. A invasão de áreas ambientais se dá em dois extremos do espectro social: os muito ricos e os muito pobres. Os muito ricos invadem porque acham que as leis não se aplicam a eles. Esses passam por cima da lei. O outro que costuma invadir áreas de meio ambiente é o que é tão pobre que não tem condição [de pagar por moradia]. Porque ninguém escolhe morar num lugar que pode escorregar a qualquer hora, matar família, sem luz, sem água. Então as invasões são fruto de uma dinâmica social muito forte. A Secretaria tenta minimizar esses impactos, mas nós estamos vendo uma segunda onda, parecida com a dos anos 70 e 80, de migrantes vindo trabalhar em grandes empreendimentos. Não têm onde morar e não há prefeitura que consiga conter essa avalanche.
Existe o Programa do Desenvolvimento Sustentável do Litoral Paulista, programa do governo estadual, que fala de investimentos para construção e regularização de moradias populares, porque o que falta é esse equilíbrio. Se nós temos dinheiro para investir na criação de estradas, na ampliação de portos, temos que ter investimentos equivalentes em moradia, saneamento e infraestrutura social. Nesse jogo nós continuamos a fiscalizar, em parceria com as secretarias de Habitação, de Obras, de Desenvolvimento Social, mas é preciso parcerias entre prefeituras, governo do estado e governo federal.

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