Na época da contratação ele era responsável por uma paróquia em São Sebastião, mas foi transferido para Ubatuba em 2014; Bispo exigiu exoneração logo que soube do caso
Apesar da determinação do código, que rege a conduta da Igreja Católica, um padre que atua no Litoral Norte se manteve num cargo comissionado, na Prefeitura de São Sebastião, pelo período de quase quatro anos. Marcelo Ramos Thurmann, 34, era contratado como assessor de departamento da Secretaria de Governo, desde 29 de junho de 2012.
O código do direito canônico, diz no terceiro parágrafo da norma 285: “os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos que implicam participação no exercício do poder civil. Os padres que assumem tais atividades estão claramente em situação de desobediência ao que prometeram no dia de sua ordenação presbiteral”.
Pelo cargo, ele recebia um salário superior a R$ 6 mil mensais. Até 2015 os rendimentos eram ainda maiores, pois Thurmann era beneficiado com uma verba de gabinete de cerca de R$ 900, que pode ser destinada a profissionais que atuam em funções ligadas ao gabinete do prefeito. Apesar disso, o próprio Marcelo diz que não atuava na Segov. “Minha nomeação era na Segov, mas eu sempre fui lotado na Sectur (Secretaria de Cultura e Turismo)”.
De acordo com o padre, ele era responsável pela Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Boiçucanga, na Costa Sul de São Sebastião, quando recebeu o convite para atuar na prefeitura.
“Sempre gostei desse trabalho com a cultura, arte, promover eventos para a população e fazia isso enquanto padre. Então o prefeito me chamou para fazer esse trabalho de forma mais ampla para a prefeitura”, comentou.
Ele diz que na época precisava de uma autorização do bispo e a obteve, para então ser contratado a fim de atuar na organização das festas e eventos destinados à comunidade, principalmente na Costa Sul.
No entanto, em 2014 o padre foi transferido para a Igreja Nossa Senhora de Fátima, no Ipiranguinha, em Ubatuba. Com a atuação na cidade, ele chegou a receber no ano passado o título de cidadão ubatubense.
O documento que justificou o título, apontou o trabalho que o religioso tem realizando no município de Ubatuba. Segundo a declaração, o padre tem se empenhado junto ao povo, procurando ações e projetos concretos, que visam amenizar de alguma forma o sofrimento do povo.
Ministério Público
A Ong (Organização não governamental) S.O.S. Controle Social, protocolou uma denúncia no Ministério Público Estadual, apontando irregularidades na contratação do religioso.
A denúncia afirmou, inclusive, que ele estaria recebendo sem trabalhar. Conforme membros da Ong, a representação agora é um inquérito civil público, mas os MP ainda não disponibilizou os detalhes do processo.
O religioso também esteve fora do país em janeiro de 2016, quando ainda era funcionário da prefeitura. Nas redes sociais, também publicou várias imagens em dias de semana, no qual praticava diversas atividades lúdicas em Ubatuba, como o Stand up paddle.
Um vídeo, publicado no youtube em 2012, mostra o padre fazendo campanha no palanque do então candidato à reeleição, Ernane Primazzi (PSC).
Diocese
Dom José Carlos Chacorowski, assumiu como bispo da Diocese de Caraguatatuba em agosto de 2013. Em nota, o líder religioso responsável pela igreja no Litoral Norte, comentou que havia uma autorização do bispo anterior, Dom Antonio Carlos Altieri, para que Thurmann atuasse na prefeitura, mas apenas até o final de 2012.
Apesar disso, Dom Altieri acabou sendo transferido para Passo Fundo e durante um ano a igreja no litoral ficou em vacância, sem um bispo responsável. Nesse tempo, padre Marcelo não cumpriu a determinação da igreja e manteve seu vínculo com a administração pública sebastianense.
Com a chegada do novo bispo, foi necessário um tempo para que o mesmo se inteirasse dos acontecimentos pastorais e encaminhamentos das unidades. Ao tomar ciência do caso do padre Marcelo Ramos Thurmann e não concordando com a situação que se prolongava à determinação anterior, o bispo solicitou em duas ocasiões que o mesmo se demitisse o quanto antes. Na última vez, deu o prazo de 15 dias para que o mesmo apresentasse documento onde comprovasse sua exoneração.
“Felizmente o padre resolveu deixar sua contumácia e pediu a exoneração que lhe foi concedida no dia 12 de fevereiro de 2016. Pode-se confirmar isso na portaria emitida pela Prefeitura”, disse nota da diocese.
Atividades
O primeiro vínculo de padre Marcelo com a Prefeitura de São Sebastião aconteceu em 14 de maio de 2012. Na época, ele foi contratado como assessor de divisão, cargo que hoje é equivalente a pouco mais de R$ 3 mil.
A contratação chegou a gerar comentários e pedidos de explicações por parte de munícipes, que não concordavam com a ação.
Pouco mais de um mês ele foi exonerado desse cargo, porém, readmitido uma semana depois, para uma função com remuneração superior.
Em entrevista, Thurmann disse que mesmo em Ubatuba, continuou normalmente suas atividades na prefeitura de São Sebastião. Ele contou que seus compromissos com a paróquia são as missas, que ocorrem mais aos finais de semana.
Segundo comentou, não era preciso bater ponto todos os dias, mas ele realizava as funções designadas. O padre disse que em muitos momentos trabalhava nas festas, nas quais não tinha horário para sair. “Eu estava lá constantemente e muitas vezes saia 3 ou 4 horas da manhã das festas. Não ganhava mais por isso. Então nesse sentido que também não estava lá às 8h para bater cartão”, contou.
Sobre a saída, Thurmann disse que Dom José Carlos lhe deu mais atribuições, o que exige mais tempo. “O bispo exigiu que eu resolvesse, então pedi exoneração e o prefeito acolheu meu pedido. Preferi sair agora para me dedicar exclusivamente à paróquia”.
Prefeitura
A assessoria de imprensa da prefeitura informou que a Administração Municipal reserva o direito de não expor nenhum servidor público. Todavia, reforçou que todas as deliberações estão respaldadas conforme prevê a legislação.