Em sua pesquisa de doutorado no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), a bióloga e oceanógrafa Luciana Frazão investigou a presença de produtos farmacêuticos e de cuidados pessoais nas águas de Ubatuba (SP). Os resultados revelaram a presença de 15 dos 22 compostos emergentes investigados, incluindo anti-inflamatórios, analgésicos, antidepressivos, cafeína e cocaína.
Frazão conta que tinha conhecimento da ocorrência desses compostos em diversos lugares do mundo, mas sempre em locais muito antropizados, com grande adensamento urbano, com portos e indústrias, como a baía de São Francisco e o mar mediterrâneo. Por isso, os resultados obtidos em Ubatuba surpreenderam.
Em 2018, de maneira inédita, ela resolveu fazer uma primeira sondagem nas águas de Ubatuba, em três pontos da baía central: na foz dos rios Acaraú, Grande e Tavares, os três rios que deságuam na praia do Itaguá e do Cruzeiro. As coletas foram feitas na quarta-feira de cinzas, para aproveitar o grande fluxo de turistas na cidade. Para sua surpresa, em todas as amostras a pesquisadora detectou a presença de 15 dos 22 compostos investigados.
Então, entre 2019 e 2020, Frazão realizou coletas após os feriados de ano novo, desta vez na Baía de Ubatuba e na Enseada do Flamengo (região que engloba o Saco da Ribeira e as praias do Perequê-Mirim, Santa Rita e Enseada, muito frequentadas por turistas). Os locais foram selecionados com base no histórico de monitoramento da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), que frequentemente aponta a água dessas praias como impróprias para banho.
Conforme explica Frazão, a maior surpresa com os resultados obtidos foi ao comparar os valores encontrados em Ubatuba com os de outros estudos realizados em 66 locais ao redor do mundo, incluindo a Baía de Santos, única região do Brasil estudada até então. Para quatro compostos investigados, as concentrações registradas em Ubatuba foram mais altas do que as observadas em todas essas outras regiões. Um destes compostos foi a cafeína, que assim como a benzoilecgonina (metabólito humano da cocaína), foi encontrada em 100% das amostras analisadas. A principal fonte desses compostos para o ambiente marinho é o despejo de esgoto, o que alerta para a necessidade de medidas urgentes de esgotamento sanitário em Ubatuba.
Segundo a pesquisadora, a cafeína é um composto relativamente fácil de ser degradado em sistemas simples de tratamento de esgoto. Assim, os resultados da pesquisa sugerem um sistema de tratamento das águas residuais ineficiente no município, além de indicar a saturação dos sistemas de esgotamento sanitário, especialmente durante os períodos de alta temporada. Este cenário também reflete a baixa cobertura da rede de esgoto, que resulta no despejo de efluentes sem tratamento alguns nos corpos d’água da região.
“Foram valores muito altos. Os valores de cafeína encontrados perto do rio Acaraú foram os maiores do mundo. É um absurdo para uma cidade como Ubatuba, mesmo considerando o fluxo de turistas”, alerta Frazão.
Os resultados da pesquisa chamam atenção, também, para a extensão da contaminação, já que alguns compostos foram encontrados a cerca de 40 km de distância da costa. Conforme explica a pesquisadora, o que se espera de qualquer poluente é que seja encontrado em maiores concentrações perto da costa e haja uma diminuição, com a diluição na água. Mas como esses compostos são pseudo-persistentes, possuem baixa diluição, estão se espalhando ao largo da costa e sendo transportados pelas correntes marítimas. “A relevância desse estudo em Ubatuba é mostrar que não é só nos grandes centros urbanos que a contaminação está, a coisa está se expandindo”, afirma Frazão.
No mês passado, a pesquisa sobre a contaminação das águas foi apresentada em uma reunião na OAB Ubatuba com a presença de Luciana Frazão e o grupo Tamoio de Ubatuba. Um dos objetivos foi alertar para os inúmeros riscos potenciais para a ecologia dos ecossistemas marinhos, pesca, aquacultura e saúde pública. E pensar em possíveis ações judiciais para que a prefeitura invista em esgotamento sanitário, aplicando devidamente os recursos da Taxa de Preservação Ambiental (TPA) e do Fundo Municipal de Saneamento e Infraestrutura (FMSAI). Frazão também está escrevendo um projeto para dar continuidade à pesquisa, aumentar a malha amostral e fazer análise microbiológica das águas.
Link para a tese completa (em inglês): https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/21/21134/tde-21082024-144428/publico/Tese_Frazao_Luciana_Corrigida.pdf
Por Renata Takahashi / Tamoios News