Gog, o ‘Poeta do Rap Nacional’ prepara as gravações de seu novo videoclip. A faixa “Anfitriã” ganhará registro visual a partir com imagens que foram captadas no Quilombo Caçandoca, em Ubatuba, na última quarta-feira, dia 28.
Sobre o porque gravar no quilombo, GOG explica que trata-se de iniciativa de resgate de valores, estética e história da cultura afrobrasileira, sobretudo pela área ter sido grande pólo de resistência por comunidades que lutaram pelo direito de sua posse, direito esse constantemente ameaçado pela ação de empresas e especuladores.
“Anfitriã” tem letra e performance de GOG, produção musical de LP, videoclipe da produtora Cria de Rua, direção de Mano K e produção geral de Claudinho Silva. “Anfitriã é quem recebe as pessoas em sua casa, quem convida. Isso resume, literalmente, o que o continente africano significa. Daí, o que inspira, é que vem a poesia e ressignifica, trazendo o que o dicionário e os olhos não conseguem ver nem descrever”, sintetiza o poeta.
A música “Anfitriã” será lançada oficialmente em todas as plataformas em 6 de março, mês do aniversário do músico. Seu 12º trabalho, com 7 faixas e que chegará ao público em julho nos formatos CD e vinil, ainda não teve seu nome divulgado. Mas já se sabe que haverá um grande espetáculo em São Paulo, de onde seguirá para outras cidades em itinerância. “Trata-se de um disco universal: traz poder, magia, harmonia e emana força”, finaliza o poeta.
Na última quinta(30), GOG gravou em Embu das Artes, que para muito além de sua antiga feirinha de artesanato, respira arte e contestação. “Foi isso que nos motivou. Consultamos o Vitor Trindade, que, da Alemanha, deu gritos efusivos e disse estar muito feliz com a nossa proposta e aceitou de imediato. Esse é o nosso Orum aqui”, diz GOG, que tem uma relação com a família Trindade já de longa data, a lembrar que Raquel Trindade, a eterna Kambinda, fez participação especial na música “O Buque da Espertirina”, de 2015.
Sobre GOG
O “poeta do rap nacional”, como é conhecido, em seus mais de 30 anos de carreira sempre defendeu a produção independente no hip-hop. Inicialmente era B-boy. Sempre politizado e militante incansável das “causas e das canções”. Primeiro cantor de rap nacional a abrir o próprio selo e, por ele, produziu e lançou ótimos trabalhos seus e de outros importantes grupos do Distrito Federal, entorno do DF e de outros estados brasileiros.
Para além do engajamento social, o compromisso com seu trabalho artístico e com os artistas que colocou no mercado, GOG tem um currículo extenso de estrada, com 12 discos lançados e diversos prêmios. Aos 54 anos, tem a mente mais oxigenada e futurista que a de muitos MCs em início de carreira. Um dos resultados da maturidade do ritmo e da poesia de Genival Oliveira Gonçalves é o DVD “Cartão-Postal Bomba!”, gravado pela banda MPB-Black, com participações especiais do rap, além de artistas consagrados da Música Popular Brasileira, como Paulo Diniz, Lenine, Maria Rita, Ellen Oléria e Gerson King Combo.
Em 2010, mostrou mais resultados de sucesso, como o lançamento do livro “A Rima Denuncia”, em que conta, além da sua história de artista e militante, importantes marcos da cultura hip-hop e algumas composições ainda inéditas. Em 2015, lançou “GOG – Genival Oliveira Gonçalves”, com participações de Zeca Baleiro, Fernando Anitelli, Dhy Ribeiro e Hamilton de Holanda. Em 2018, “GOG – Mumm Ra High Tech”, um EP com 7 faixas, colocou o músico no patamar dos artistas em maior atividade do hip-hop brasileiro.
Quilombo da Caçandoca
A comunidade quilombola da Caçandoca é formada por cerca de 50 famílias que vivem na região praiana do município de Ubatuba. O acesso até o quilombo é feito por uma estrada de terra a partir da rodovia Rio-Santos, nas proximidades da Maranduba.
Os quilombolas têm fortes relações históricas com seu território, e um modo de vida sustentável que garante a preservação das praias e de grande parte da Mata Atlântica.
O Quilombo da Caçandoca foi a primeira comunidade quilombola no país a conseguir um decreto de desapropriação do governo federal por interesse social após 2003, ano em que foi publicado o Decreto Federal 4887 que Comunidade Quilombola Caçandoca 2 Terras de Quilombos normatiza o processo de titulação das terras de quilombo.
A área decretada corresponde a cerca de metade do território reivindicado pela comunidade. Vivem em terras ocupadas há quase dois séculos por seus antepassados escravizados, trabalhadores das fazendas da região.
Seu território é bastante cobiçado. Se estende por 890 hectares de áreas de praia e de sertão, onde antes estava a antiga “Fazenda Caçandoca”. Inclui áreas das praias Caçandoca, Caçandoquinha, Bairro Alto, Saco da Raposa, São Lourenço, Saco do Morcego, Saco da Banana e Praia do Simão.
A região da Praia do Pulso, onde hoje há um condomínio de luxo no qual alguns quilombolas trabalham, não foi reivindicada na proposta de titulação, mas também fazia parte de suas terras tradicionais.
Ao longo da década de 1970, muitas famílias da Caçandoca foram vítimas de atos de violência e de comprovada má-fé, que as levaram a perder a terra que lhes pertencia. Alguns tentaram recuperá-la por meio de recursos judiciais de reintegração de posse, mas não obtiveram sucesso.
Em 1998, após anos de resistência e mobilização política, diante de uma ordem judicial de reintegração de posse emitida em favor dos invasores, um grupo de ex-moradores da Caçandoca resolveu resistir mais fortemente: acamparam numa parte das terras ancestrais, para pressionar o poder público. Foi quando solicitaram o seu reconhecimento como comunidade remanescente de quilombo e demandaram a titulação de seu território conforme garante a Constituição Federal.
Resistência
Na década de 1980, membros da comunidade quilombola enviaram cartas pedindo ajuda ao prefeito de Ubatuba, ao governador, deputados e a imprensa , denunciando a invasão de suas terras por uma empresa imobiliária.
Desde então, houve muitos processos judiciais, ocorrências policiais e recursos administrativos envolvendo o território da Caçandoca. O recurso da reintegração de posse foi usado várias vezes contra os quilombolas. Quase sempre, os apelos dos membros da comunidade foram julgados improcedentes ou simplesmente desconsiderados.
Em 1997, ocuparam uma parte da área reivindicada por eles, que estava sob domínio de empresa do ramo imobiliário. Em 1998, a empresa entrou com uma ação de reintegração de posse e ganhou uma liminar que obrigou os quilombolas a abandonarem o local.
Nesse mesmo ano, foi fundada a Associação da Comunidade dos Remanescentes do Quilombo da Caçandoca. Através dela, entraram em contato com a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que deu início ao processo de regularização fundiária da área requerida.
O Relatório Técnico-Científico (RTC), concluído e publicado no ano 2000, referendou o pleito da comunidade quilombola e identificou a área de seu território em 890 hectares. No ano seguinte, realizaram uma segunda ocupação. Cerca de 30 famílias retornaram para um pequeno terreno perto da estrada que liga Caçandoca à rodovia BR-101.
Dessa vez tiveram o apoio do Ministério Público Federal, que solicitou ao juiz de Ubatuba que revogasse a liminar de reintegração de posse concedida à empresa. O juiz atendeu ao pedido, mas depois reconsiderou a decisão liminar em favor da empresa. O Itesp interferiu, conseguindo que o Tribunal de Justiça cassasse a liminar, e não houve reintegração de posse.
No mesmo ano, Caçandoca recebeu da Fundação Cultural Palmares a certidão de autorreconhecimento como comunidade remanescente de quilombo, conforme o Decreto Federal 4887/2003. Em junho de 2005, o INCRA publicou o RTID da comunidade e, em dezembro do mesmo ano, a portaria de reconhecimento. Em 2006, a Presidência da República decretou a desapropriação dos 210 hectares da “Fazenda Maranduba”, incluindo outros 200 hectares no território de Caçandoca.
O INCRA então ingressou com ação de desapropriação perante a justiça federal de São Paulo. O juiz concedeu o pedido, garantindo assim que os quilombolas pudessem permanecer em suas terras até o encerramento da ação de desapropriação. Essa foi a primeira desapropriação por interesse social que beneficiou uma comunidade de quilombo no país. Atualmente a comunidade está na posse de 410 dos 890 hectares e quando o processo judicial for concluído, a área será titulada em nome da associação. Aguardam, portanto, providências dos governos federal e estadual para finalizar a regularização de suas terras.
* texto sobre o Quilombo da Caçandoca composto por Ana Carolina Estrela da Costa a partir do Relatório Técnico-Científico sobre os Remanescentes da Comunidade de Quilombo de Caçandoca, elaborado por Alessandra Schmitt, em junho de 2000.