Foi divulgado recentemente na imprensa que a Coreia do Sul estaria investigando transações comerciais suspeitas envolvendo criptoativos relacionados à lavagem de dinheiro e violação de leis de câmbio internacionais.
A utilização de criptomoedas como forma de realização de ativos tem-se mostrado uma realidade que veio para ficar. Disso também decorrem responsabilidades e consequências para as quais diversos países do mundo tem se debruçado para realizar uma espécie de fiscalização.
A ideia inicial de seu surgimento como uma forma de moeda e um sistema de pagamento com a exclusão de intermediários para a validação de determinadas transações, de início, gerou grande desconfiança na comunidade econômica internacional. Contudo, diante de episódios políticos que tiveram grande repercussão mundial, como o caso Wikileaks e a Crise do Chipre, houve sua difusão e certa aceitabilidade em na utilização como um ativo financeiro e econômico, afastando-se dos oligopólios dos sistemas bancários mundiais e da forte intervenção estatal no que diz respeito ao controle das moedas.
Como todo sistema disruptivo provoca a reação daquele mercado que predomina, com o surgimento das criptomoedas não foi diferente, na medida em que numa tentativa de sufocamento dessa tecnologia e moeda que surgia, buscou-se uma criminalização global dessa modalidade encabeçada pelos Estados Unidos, afirmando-se que sua utilização destinava-se à realização de lavagem de dinheiro, trafico de drogas e financiamento ao terrorismo.
Evidentemente que existe a possibilidade de as criptomoedas serem utilizadas com a finalidade de cometimento de crimes, assim como ocorre com diversos outros bens e ativos financeiros. Tomemos como exemplo o caso Silk Road, que só aceitava o pagamento com criptomoedas para a realização de negócios ilícitos na darknet e cujo criador da página foi condenado à prisão perpétua e sem direito à condicional.
Entretanto, não é essa a função precípua dessa modalidade de pagamento, de forma que não se deve buscar a criminalização de novas tecnologias e formas de desenvolvimento de atividades comerciais.
Tal discussão percorreu diversos países e no Brasil não foi diferente. Num primeiro momento, à luz da lei de Lavagem de Dinheiro e da Lei de Crimes contra o sistema financeiro nacional, suscitou-se a ocorrência de tais crimes na medida em que a realização de transações comerciais internacionais envolvendo empresas e pessoas sediadas em países diversos configuraria crime de evasão de divisas, bem como o crime de lavagem de dinheiro.
Devemos atentar para o fato de que as criptomoedas não se caracterizam como moedas eletrônicas, conforme a previsão da Lei 12.865/2013, de forma que afastam qualquer tentativa de regulamentação sobre sua emissão, transferência ou usos pelo Bacen. A fim de esclarecer tal posicionamento, o Banco Central do Brasil emitiu os comunicados 25.306/2014 e 31.379/2017, explicitando que as empresas que operam com criptomoedas não são instituições financeiras.
Tal situação afasta nesse momento a incriminação de condutas relacionadas à utilização de criptomoedas para a realização de negócios jurídicos.
Ademais, não se trata de meio ilícito, tampouco proibido pelo ordenamento jurídico nacional, de modo que a utilização de interpretações extensivas visando ao alcance penal para atingir condutas relacionadas às criptomoedas não encontra respaldo legal.
É importante mencionar que muito embora não seja proibida a utilização das criptomoedas, isso não afasta a sua utilização em crimes de lavagem de dinheiro, porque pode ocorrer a transformação dos valores e bens advindos de práticas criminosas, tais como fraudes, jogos de azar, crimes praticados por organizações criminosas, em criptoativos.
Também tem sido comum a ocorrência de fraudes e pirâmides financeiras relacionadas à utilização de criptomoedas, onde são prometidos ganhos irreais com supostos investimentos nesses ativos. A vítima entrega grandes quantias de dinheiro aos criminosos, supondo estar adquirindo criptoativos, quando na verdade está sendo enganada e não existe a realização desse negócio esperado, ficando com seu prejuízo.
Muito embora a Receita Federal do Brasil não considere as moedas virtuais como moeda eletrônica, determina que sejam declaradas como ativo financeiro na declaração anual do imposto de renda e que eventuais lucros obtidos com compra e venda dessas que ultrapassarem a cifra de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) sejam tributados como ganho de capital a uma alíquota de 15%, consubstanciado na Instrução Normativa 1.888/2019.
É fato que por serem conversíveis em moedas haverá uma maior ou menor fiscalização sobre seus proprietários e a forma de sua aquisição, como já ocorre em outros países, permitindo-se um acompanhamento da evolução patrimonial, o que ocorre por exemplo com as Exchanges, que são corretoras especializadas em transações com criptoativos e visam garantir a segurança das negociações entre compradores e vendedores.
Estão em discussão no Congresso Nacional alguns projetos que visam regular e regulamentar a utilização desses ativos no cenário nacional. Porém, até o momento, inexiste uma legislação apta a tratar da situação, de forma que as autoridades acabam se valendo de interpretações extensivas a fim de buscar responsabilizações no campo fiscal e tributário.
É importante mencionar que fintechs, corretoras de crédito, setores envolvidos com sistemas de pagamentos bancários e financeiros devem observar regras de Compliance, dentre elas o conhecimento da origem dos valores que recebe e seu cliente (KYC – Know Your Customer), visando à minimização de riscos, fraudes, financiamento de terrorismo e lavagem de dinheiro. Logo, o fato de não existir uma norma legal específica no país para tratar das Exchanges não exclui uma eventual responsabilização criminal pela prática dessas negociações que pode vir a recair sobre seus sócios.
Por essa razão, aquele que realiza empresas cujo objeto seja a movimentação de criptoativos deve se cercar de uma boa assessoria de Compliance e um programa de prevenção à Lavagem de Dinheiro – PLD eficaz a fim de evitar ser investigado e responsabilizado por condutas criminosas que possam vir a utilizar desses meios para o escondimento da origem dos valores obtidos ilicitamente, provocando a responsabilização de seus sócios e colaboradores.
Em outros campos, por sua vez, até que haja a regulamentação pelo Congresso Nacional, incidirão normas advindas dos mais variados órgãos, provocando um caos normativo, onerosidade às empresas e confusão acerca das responsabilidades dos players do mercado.
Texto: Edson Pinheiro dos Santos Junior
– Delegado de Polícia do Estado de São Paulo com atuação em Crime Organizado, Corrupção e Lavagem de Dinheiro
– Titular de Delegacia de Investigações Gerais
– Titular de Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes
– Professor Universitário
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