No Sertão de Camburi, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, vários relatos sobre a presença da onça-pintada (Panthera onca) destacam a necessidade urgente de preservação ambiental. Em um cenário marcado por mudanças climáticas e especulação imobiliária, a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Bacarirá surge como uma oportunidade para proteger a rica biodiversidade local, incluindo esta espécie emblemática.
A onça-pintada (Panthera onca), o maior felino das Américas, é uma das espécies mais emblemáticas da fauna brasileira, especialmente na região do litoral norte de São Paulo. Sua presença indica a saúde dos ecossistemas locais, funcionando como um termômetro da biodiversidade. Segundo a WWF, estima-se que menos de 300 indivíduos ainda habitam a Mata Atlântica, e sua presença em áreas urbanas, como o Sertão de Camburi, indica que esses felinos estão migrando em busca de habitats seguros devido às mudanças climáticas e à destruição de seus ambientes naturais.
Recentemente, moradores do Sertão de Camburi relataram avistamentos e sons atribuídos à presença de onças-pintadas. Poio Estavski, um morador da região, compartilha sua experiência: “Era madrugada e ouvi barulhos estranhos no meu quintal. Quando saí, percebi que parecia uma onça. Não consegui vê-la, mas o som era inconfundível.” Ele gravou um vídeo do quintal, onde só é possível escutar o esturro do animal.
Adilson Mendes, 38 anos, caseiro e mateiro, teve uma experiência assustadora: “Estava fazendo trilha com um amigo e meus dois cachorros. Ao escurecer, um dos cachorros latiu e correu em direção a um barulho. Fiquei apavorado e acendi uma fogueira, pois ouvi o esturro da onça. Passei a noite ali com medo. Eu só ouvi o lamento do meu cachorro sendo atacado, enquanto a outra cadela ficou tremendo embaixo das minhas pernas.”
Sofia Widmer, empresária de 43 anos, tinha dois cachorros desaparecidos por semanas. Ao procurá-los, encontrou pegadas grandes e sentiu um cheiro forte. “Estava há muitos dias procurando meus cachorros e, ao seguir uma trilha, encontrei pegadas grandes e um cheiro insuportável. Ao atravessar o rio, um vizinho me alertou que havia uma onça na área, que havia matado seu cachorro. Isso me deixou muito preocupada.”
Dona Odila Aparecida Chunidt de Souza, 60 anos, também viu pegadas grandes e pequenas em sua propriedade, indicando a presença de felinos de grande porte na área: “Cheguei de manhã na casa do meu patrão e, ao rastelar o quintal, vi pegadas grandes, parecendo ser de uma onça com um filhote. Já presenciei jaguatiricas no passado, mas a pegada que vi era bem maior. Agora, venho com muito cuidado, temendo a onça.”
Eduardo Fagnani, economista e proprietário de um sítio há mais de 30 anos, compartilha: “Um dos meus cachorros foi atacado pela onça, que o comeu. A minha cadela ficou tremendo embaixo das minhas pernas enquanto a onça estourava. É uma situação que assusta muito.”
São Sebastião Resiliente e a Necessidade de Novas APAs e Parques Municipais
A tragédia de 2023 em São Sebastião evidenciou a urgência de fortalecer a resiliência ambiental da cidade. Em resposta, o Programa “São Sebastião Resiliente” foi lançado em abril de 2024, com o apoio do Instituto Conservação Costeira (ICC). Este programa propõe a criação de novas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Parques Municipais: Barra do Una, Juquehy e Enseada. Além disso, destaca-se a APA Baleia Sahy, que preserva 4 milhões de metros quadrados e atua como um corredor ambiental vital para a biodiversidade local.
A Dra. Fernanda Carbonelli, diretora executiva do ICC, enfatiza a importância desse movimento: “A implementação do Programa ‘São Sebastião Resiliente’ é um passo crucial não apenas para a recuperação das áreas afetadas pela tragédia, mas também para a criação de novas APAs e parques municipais que garantirão a proteção dos ecossistemas em regiões como o Sertão de Camburi. A APA Baleia Sahy é um exemplo do que podemos alcançar; ela protege uma vasta área que atua como um corredor ambiental, vital para a fauna e flora da região. Com a criação de novas unidades de conservação, podemos garantir um futuro mais seguro e sustentável, prevenindo novos desastres e promovendo a saúde ambiental de nossas comunidades.”
A Dra. Fernanda destaca ainda a importância de aprender com os desastres: “Todas as áreas ao redor foram devastadas, enquanto na APA não caiu uma só árvore. Precisamos aproveitar a mobilização atual para focar na prevenção e parar de enxugar gelo.” Essa visão enfatiza a necessidade de expandir a rede de proteção ambiental em São Sebastião, aproveitando os aprendizados do Programa “São Sebastião Resiliente” para criar um modelo que inspire a formação de novas APAs e parques municipais, como a proposta para o Sertão de Camburi, assegurando a preservação dos recursos naturais e a segurança das comunidades vizinhas.
A Necessidade de Criar a APA Rio Bacarirá
A região do Rio Bacarirá, onde se localiza o Sítio Bacarirá, possui uma rica biodiversidade e é essencial para a preservação ambiental local. A criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) nessa área é fundamental para garantir a conservação dos ecossistemas e das espécies que ali habitam, incluindo a onça-pintada. A Dra. Fernanda Carbonelli menciona a importância da APA Sahy/Baleia como exemplo de sucesso na preservação ambiental, que serve de inspiração para a proposta de criar a APA Rio Bacarirá.
O Sítio Bacarirá e a História de Preservação
O Sítio Bacarirá, localizado no Sertão de Camburi em São Sebastião, SP, é um exemplo de preservação ambiental da Mata Atlântica, mantido desde 1979 por Friedrich Widmer e Regina Valentim. Com 64 hectares de floresta nativa, incluindo árvores centenárias como a Sloanea, o sítio preserva uma rica biodiversidade e representa um núcleo para a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) na região.
Regina descreve o momento em que se depararam com a sapopemba gigante, uma árvore com mais de 400 anos, e a importância de sua preservação:
“Quando vimos essa árvore, soubemos imediatamente que nossa missão era preservá-la. Ela é um testemunho vivo da história e da interação entre os seres humanos e a natureza.”
A proposta da APA no Sertão de Camburi busca agregar propriedades vizinhas e fortalecer corredores ecológicos, essenciais para a fauna local, incluindo grandes predadores como a onça-pintada. A iniciativa visa integrar conservação ambiental com oportunidades de ecoturismo e desenvolvimento sustentável, promovendo benefícios econômicos e sociais para as comunidades locais. A criação dessa APA reforça o legado do Sítio Bacarirá, consolidando-o como um modelo de preservação e sustentabilidade na Mata Atlântica.
Regina também destaca como a população local, ao chegar em 1978, costumava caçar e consumir animais silvestres: “Era frequente a presença de animais silvestres de pequeno porte, como porco-espinho, lebres, tatu, bicho-preguiça e também veados e capivaras. Mas o crescimento desordenado destruiu os corredores naturais, além da luz elétrica, carros e, principalmente, o aumento da população canina.”
Além da sapopemba, a região do Rio Bacarirá abriga uma diversidade rica de fauna, incluindo macacos, antas, capivaras e porcos do mato, além de diversas aves, incluindo algumas ameaçadas de extinção. Recentemente, foram avistados também a onça-pintada e a jaguatirica, reforçando a importância de proteger este ecossistema.
Desafios e Oportunidades para a Conservação
Apesar dos esforços de preservação, a região enfrenta desafios como a especulação imobiliária e a pressão por desenvolvimento. A criação da APA Rio Bacarirá é uma oportunidade para consolidar aconservação ambiental e garantir a proteção da biodiversidade local. A mobilização da comunidade e o apoio de iniciativas como o ICC são essenciais para alcançar esse objetivo. A história do Sítio Bacarirá serve como um modelo de como a preservação é possível mesmo diante das adversidades.
A Importância da Educação Ambiental e da Mobilização Comunitária
A educação ambiental desempenha um papel crucial na conscientização sobre a importância da preservação e na promoção de práticas sustentáveis. Iniciativas que promovem a conscientização e a proteção do meio ambiente são fundamentais para garantir que as futuras gerações valorizem e protejam a biodiversidade.
Conclusão e Caminhos para o Futuro
A preservação da fauna e flora do litoral norte de São Paulo, especialmente em áreas como o Rio Bacarirá, é fundamental para a manutenção da biodiversidade e a prevenção de desastres naturais. A criação da APA Rio Bacarirá, aliada a programas como o “São Sebastião Resiliente”, representa um caminho para garantir que onças e outros animais possam viver em seus habitats naturais, protegidos da especulação imobiliária que ameaça essa rica biodiversidade. A mobilização comunitária, juntamente com políticas públicas eficazes, é essencial para garantir um futuro sustentável, onde a coexistência entre humanos e fauna silvestre seja não apenas possível, mas uma realidade. A proteção do Rio Bacarirá e das espécies que habitam essa região deve ser uma prioridade, assegurando que a rica herança natural do litoral norte paulista seja preservada para as futuras gerações.
Por Poio Estavski