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S.O.S. Maresias: Bairro vive sem estação de tratamento de esgoto

Tamoios News
Leandro Saadi
Leandro Saadi

Pousada ocupando a totalidade de seu lote, desrespeitando lei municipal de ocupação do solo e decreto-lei do zoneamento ecológico econômico do estado

Projeto de construção de ETE precisa ser revisto, estabelecendo diretrizes para Plano Diretor não aprovado; jogo de empurra deixa praia famosa parada no tempo

Por Marcello Veríssimo

Saneamento básico formado por rede coletora, estações elevatórias e estação de tratamento de esgoto é um direito e respeito à dignidade humana em ter o mínimo de serviço público para viver dignamente com qualidade de vida. Este é um dos problemas que afetam milhares de pessoas, principalmente os mais pobres, em todo o país.

Mas Maresias, bairro da Costa Sul de São Sebastião, a praia mais badalada e comentada pelos jovens que frequentam o Litoral Norte, esconde atrás de todo o glamour a realidade em que vive a maioria dos moradores e frequentadores do bairro que, em pleno ano de 2015, ainda não possui seu sistema de esgoto sanitário implantado. Além de Maresias, Camburí e Boracéia também padecem da falta de saneamento básico.

Apesar de ter sido construída parcialmente uma rede coletora, o projeto de Estação de Tratamento de Esgoto não foi concluído. “Já fizemos tudo que poderíamos fazer”, desabafa a presidente da Somar (Sociedade Amigos de Maresias) Ester Hergovic Rantigueira, que convive com reclamações quase diariamente sobre o assunto. “É um problema recorrente no bairro”, completa.

De acordo com ela, o bairro de Maresias, que hoje possui aproximadamente 8 mil habitantes, tem apenas “um pedacinho” de rede de coleta executada, mas inoperante, pois não conta com o principal, que é a Estação de Tratamento de Esgoto; ou seja, os efluentes continuam desaguando direto nos córregos, nos rios e no mar. A presidente da entidade disse ainda que já se reuniu com diferentes secretários municipais, entre eles o de Meio Ambiente, com tentativas sem sucesso de pelo menos começar o serviço. “O caso está com nossa advogada que está fazendo levantamento, estudando o caso para tomarmos novas providencias”, diz Ester.

O imbróglio da rede de esgoto na praia de Maresias acontece há mais de 20 anos. Na gestão do antigo prefeito Juan Garcia foi elaborado um decreto lei criando as chamadas ZEIS (Zonas de Especial Interesse Social) que congelou 101 núcleos de comunidades carentes no município, sendo que destes, 40 estão sendo regularizados, segundo a prefeitura. Por esta razão foi elaborado um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) entre Prefeitura de São Sebastião, Ministério Público Estadual, Sabesp e Cetesb para regularização destes núcleos congelados, que deveria demarcar exatamente essas comunidades carentes.

Na praia de Maresias existem atualmente dois pontos de ZEIS: Vila Bom Jesus e Sertão de Maresias, que, somados, chegam a 2.015.314,08 milhões de metros quadrados demarcados, o que representa praticamente a metade do bairro. Somente para ter uma ideia, a área de ZEIS demarcada em Maresias representa 72% de todas as outras ZEIS existentes ao longo dos 70 km da Costa Sul do Município de São Sebastião.

266 zeis aerea

Pelo projeto, ao qual o Portal Tamoios News obteve acesso, a demarcação feita para implementação da ZEIS em Maresias permitiria a construção de mais de 20 mil casas populares, incluindo os acessos. O problema é que ambientalistas apontam que esses novos imóveis, somados aos já existentes no bairro, provocariam uma espécie de “overbooking” de moradias populares, considerando, de acordo com a pesquisa, que cada família seja composta apenas por 4 pessoas (um casal e dois filhos), representando uma população superior a 80 mil moradores. Segundo o IBGE, pelo censo de 2010, a cidade toda possuía pouco mais de 73 mil habitantes. Seria como colocar um município dentro do bairro.

A reivindicação dos moradores mais humildes ocorre depois da cobrança do IPTU das ZEIS, que não trouxe nenhum beneficio às comunidades carentes, mas benefício fiscal e de ocupação no uso do solo para muita gente rica que possui casa nessa área considerada ZEIS. Moradores contam que “boa parte das ZEIS está sendo usada para especulação imobiliária” e nada em favor da comunidade carente.

Em 2009, o ex-prefeito Juan Garcia conseguiu verba de mais de R$2 milhões com a então Ministra do Turismo Marta Suplicy, por meio do Dade (Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias), para o início das obras da Estação de Tratamento de Esgoto em Maresias, além de melhorias no saneamento básico. De lá para cá, apenas um pequeno trecho da estação foi construído. Estavam previstos 4 módulos, mas apenas 1 foi concluído com a liberação da verba.

Em 2012 a Somar, através do Inquérito Civil 54/12, relatou os malefícios causados pela demarcação ao meio ambiente e aos moradores de Maresias, embasada em erros existentes na lei 136/2011 e em 2014 repetiu, em caráter de urgência, informando pela terceira vez a necessidade de medidas do Ministério Público por meio do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema/LN).

A assessoria de imprensa da Sabesp informou “que as obras para coleta e tratamento de esgoto em Maresias estão mantidas. Em 2015, houve apenas uma alteração de ritmo no andamento das mesmas para priorizar as obras que garantam a segurança hídrica. O processo de licitação da obra em Maresias está em andamento e seu cronograma será ajustado a esta realidade”, disse a companhia.

Contradições

A versão da Sabesp contradiz a Prefeitura de São Sebastião, que também informou que segue ordem anunciada pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo) para suspender “o cronograma de obras de saneamento básico, anteriormente previsto para começar no segundo semestre deste ano”. O anuncio teria sido feito diretamente ao prefeito Ernane Primazzi durante reunião com representantes da estatal. “A prioridade da Sabesp é o fornecimento de água”, afirma o documento.

Por conta disso, o prefeito está em processo de avaliação para decidir se assina ou não o contrato de concessão ou ainda se fará uma nova licitação para escolher outra empresa para executar a obra, sem previsão para começar. Em reportagem anterior, publicada em 7 de maio no Portal Tamoios News, a Sabesp anunciou a suspensão do cronograma da obra, prevista para começar no segundo semestre deste ano.

Fato é que até agora a obra não avançou e o esgoto acaba indo para as ruas do sertão.

Como mais uma tentativa de fazer com que o documento seja assinado brevemente, a ASM (Associação de Surfe de Maresias) se uniu aos moradores do bairro e já contabiliza mais de 2 mil assinaturas, entre elas a do campeão mundial de surfe Gabriel Medina, morador do bairro, que apoia a campanha #sosmaresias. O objetivo é conseguir 5 mil assinaturas até o fim deste ano.

A obra do sistema de esgotamento sanitário na praia de Maresias, que segue paralisada, prevê a construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) capaz de realizar a coleta e tratamento de aproximadamente 245 mil litros de esgoto por hora, além de nove estações elevatórias e 30 quilômetros de rede. O orçamento gira em torno de R$21 milhões.

Prioridades

Em entrevista exclusiva um dos promotores do Gaema/LN, Tadeu Badaró, admitiu ter conhecimento do caso e das representações públicas da Somar, que requer um inquérito cível sobre a inconstitucionalidade das ZEIS. Os proprietários de imóveis incluídos dentro das ZEIS pagam IPTU desde o ano passado e constroem ignorando a Legislação Municipal Lei 561.1987 – “Lei de parcelamento e de uso do Solo da Costa Sul do Município de São Sebastião” e o Decreto Estadual 49.215/04 do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) em vigor.

Para ambientalistas, a inconstitucionalidade da ZEIS de Maresias se deve pela falta do Plano Diretor como prevê o Estatuto da Cidade.

Além disso, os cerca de dois milhões de metros quadrados que representam metade do bairro de Maresias estão mais voltados para excessos na especulação imobiliária, não respeitando o decreto lei estadual e as diretrizes de ocupação e uso do solo, entre outras irregularidades, com agravante de não atender sua verdadeira finalidade voltada ao interesse da comunidade carente do bairro.

A falta de tratamento de esgoto adequado em uma praia badalada como a de Maresias afeta a região. Segundo especialistas, o esgoto – levado pela correnteza marítima – vai parar também em outras praias como a vizinha Paúba.

266 zeis bairro

Questionado, o promotor Tadeu Badaró disse que o MP é uma instituição indutora de política pública, como agente político. Assumiu que na atual situação não “há possibilidade real de o Ministério Público atuar frente a toda e qualquer política pública. Temos que definir prioridades”, disse o promotor, que atualmente investiga cerca de mil inquéritos civis em tramitação.

O promotor disse que segue plano geral de atuação que estabelece “as questões mais sensíveis dentro das nossas metas. Saneamento básico é uma das nossas metas. A forma como vamos enfrentar essa questão, nós próprios temos que resolver”, disse. Para Tadeu, a forma ideal de analisar o problema é ver o assunto de forma macroscópica, ou seja, o litoral norte como um todo. “Temos um inquérito civil para discutir o plano municipal de saneamento de Ilhabela, São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba, além de 40 inquéritos civis para cada núcleo congelado. Vamos cobrar a criação de um plano municipal de saneamento básico para cada município, conforme prevê a lei. A partir daí, a renovação dos contratos entre os municípios e a concessionária do serviço. Não existe inquérito civil próprio para apurar estação de tratamento de esgoto em Maresias”, explicou o promotor. “Se existe associação de bairro constituída para resolver uma questão de bairro que pode por si só promover as medidas necessárias isso não figura dentro das nossas prioridades”, completou.

O promotor disse que indeferiu a representação da Sociedade Amigos de Maresias justamente por considerá-la capaz de promover as medidas necessárias, cobrando também a administração municipal e outras autarquias como a Sabesp. “Nós estamos indeferindo, o fato de um bairro que já tem associação que pode por vias próprias manejar os procedimentos necessários, isso não figura dentro de nossas prioridades. Escolhemos analisar o plano de cada cidade e por isso estamos indeferindo essa representação”, explicou Badaró, com base na Lei de Ação Civil Pública. “Nosso entendimento está formalizado. Existem várias formas de enfrentar o problema. Agora estamos analisando o recurso ao indeferimento da representação”, disse o promotor.

No entanto, a Associação de Maresias afirma ter realizado todos os procedimentos necessários, por meios próprios, além de comparecer em todos os órgãos públicos pedindo por providências urgentes, sendo ignorada.

A entidade considera o MPSP-GAEMA/LN como sua última “tábua de salvação” nesse “oceano” contaminado por esgoto e irregularidades.

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