No último carnaval, 64 pessoas morreram na Vila Sahy, em São Sebastião (SP), vítimas de deslizamentos de terra causados pelas chuvas intensas que atingiram a região. Passados dez meses da tragédia, os sobreviventes seguem na luta por moradia digna. Quem explica a situação atual da comunidade é Sara Regina Cordeiro, 45 anos, uma das lideranças da Vila Sahy, membro do Coletivo Caiçara e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Segundo Sara, as soluções oferecidas pelo Governo do Estado e pela Prefeitura foram elaboradas sem a participação da população local e não agradaram os moradores. Ela afirma que a remoção de parte da comunidade para os prédios que estão sendo construídos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), no bairro Baleia Verde, gera uma série de questionamentos por parte dos atingidos. Acostumados a viver em casas, eles não concordam com a verticalização e temem pela segurança dos conjuntos habitacionais, por estarem sendo erguidos em locais úmidos e suscetíveis a alagamentos, além de questionarem a segurança do material experimental que está sendo utilizado.
Outra crítica dos moradores aos prédios da CDHU, de acordo com Sara, é que as famílias terão que pagar 20% de suas rendas pelos apartamentos durante 30 anos, porém eles não têm clareza sobre o valor total dos imóveis. E muitos que serão removidos não possuem renda fixa, são desempregados ou trabalhadores sem registro, que podem não conseguir arcar com essa dívida. “Temos muitas pessoas com salário mínimo, idosos, deficientes, desempregados sem renda alguma, então fica essa preocupação. De que forma essas famílias vão pagar, para ter direito a essas moradias?”, questiona.
A própria estrutura e tamanho dos apartamentos é colocada em xeque por eles, explica Sara. “Muitos têm cachorros de porte grande e não terão como levar seus animais, pois não há espaço. Tem famílias com oito integrantes numa mesma casa e o espaço oferecido é muito pequeno. Falta local para estender roupa, não tem sacada. É uma obra que não visa uma moradia digna e as famílias ainda terão que pagar por 30 anos”, reclama a entrevistada.
Há famílias que não concordam em deixar suas casas apesar do risco apontado, que reivindicam uma indenização para sair do local, pois trabalharam uma vida inteira para erguer seus imóveis que, segundo Sara, não são barracos, e sim casas boas. Há quem defenda que seria possível desapropriar terrenos e realocar moradores dentro do próprio bairro, ou em locais mais próximos que a Baleia Verde.
Existe, ainda, a reivindicação pela elaboração de novos laudos técnicos, uma vez que o que foi apresentado à comunidade gerou desconfiança por parte dos moradores. “É muito estranho esse laudo. Por exemplo, o Instituto Verdescola, o posto de saúde e a pracinha da Vila Sahy, só essas partes que não vão ser afetadas? Esses podem ficar? Quer dizer, 80% da Vila Sahy teria que sair, porque estaria em área de risco. Mas como que uma casa que está grudada do lado do Instituto Verdescola está em risco, mas o Instituto não?”, questiona.
Sara também afirma que a comunidade se revolta com a forma com que são tratadas as “áreas de risco”, ocupadas por famílias pobres, e as “áreas de ricos”, ocupadas por pessoas de alto poder aquisitivo. Os ricos constroem seus próprios muros de contenção, realizam obras de drenagem, enquanto os pobres ficam à mercê das vagarosas obras públicas para garantir sua segurança. “Desde a tragédia nós sentimos que existe um descaso total em relação às famílias que sobreviveram. Falta de comunicação, falta de diálogo, tanto da prefeitura, governo, CDHU. A verdade é que a prefeitura de São Sebastião dificulta ao máximo, eles primeiro tomam a atitude e depois nos avisam”, reclama Sara.
Decisão liminar
Uma decisão liminar concedida na última terça-feira (19) autorizou o governo de São Paulo a demolir parte dos imóveis da Vila Sahy. Podem ser derrubadas 198 casas que já estavam desocupadas desde a tragédia, e 39 obras de construção em andamento. O juiz Vitor Hugo Aquino de Oliveira, da 1ª Vara Cível de São Sebastião, também permitiu a demolição de 172 imóveis em áreas com classificação de risco muito alto. Essa parte da decisão atende parcialmente ao pedido da Procuradoria-Geral do Estado. Porém, o magistrado determinou a identificação e a realização de laudo de risco individualizado, avaliação monetária e de mercado e multa no valor de R$300.000,00 (trezentos mil reais) por cada unidade derrubada.
Inicialmente, o governo estadual havia ingressado com a ação para autorizar a demolição de 893 imóveis. A solicitação foi alterada na segunda-feira (18), após a realização de protestos pelos moradores e de uma reunião organizada pela Defensoria Pública de São Paulo no fim de semana. Foram determinadas também a realização de uma audiência pública e a comunicação prévia dos proprietários antes do início das demolições.
Mesmo que a mobilização da comunidade tenha surtido algum efeito na recente decisão judicial, Sara afirma que o clima ainda é de incerteza. “É um momento de muita apreensão, momento delicado, desesperador para nós, moradores da Vila Sahy.”
Por Renata Takahashi / Tamoios News

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