
Falta de programa efetivo multiplica número de animais abandonados
Dinheiro seria usado em programa de castração, microchipagem e campanhas de conscientização
Por Marcello Veríssimo
A Prefeitura de São Sebastião tem que explicar o suposto sumiço de uma verba repassada no valor de R$75 mil, correspondente à 1ª parcela do decreto lei 55.373, assinado em 2010 pelo então governador do estado de São Paulo, José Serra (PSDB).
O objetivo do decreto seria a criação de um programa estadual para a identificação e controle da população de cães e gatos – não apenas os de rua, mas também os domésticos, como uma espécie de censo animal. A implantação deste trabalho, segundo publicação do Diário Oficial, aconteceria através das seguintes maneiras:
1 – Identificação e registro da população de cães e gatos;
2 – Promoção de esterilização cirúrgica;
3 – Incentivo à adoção de cães e gatos abandonados;
4 – Realização de campanhas de conscientização pública sobre a relevância do controle da população de cães e gatos e sua vacinação periódica.
O órgão designado para firmar os convênios com as prefeituras paulistas é a Secretaria do Meio Ambiente, que também ficou responsável pelo repasse de verbas para o programa.
Em São Sebastião, o convênio foi assinado no final de 2013. A assessoria do deputado federal Ricardo Tripoli (PSDB), defensor da causa, confirmou que foi efetuado o pagamento da primeira parcela no valor de R$75 mil.
Segundo a apuração do portal Tamoios News, o total destinado a São Sebastião foi de R$200 mil e estabelecia que o valor fosse pago em duas parcelas.
A segunda, no valor de R$125 mil, só poderia ser liberada após o município prestar contas junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, emitindo relatórios técnicos para comprovar o número de castrações e identificações feitas com o microchip, o que segundo os ativistas não aconteceu.
Durante toda a semana, a reportagem conversou com especialistas, ONG’s de proteção aos animais e políticos para entender o problema.
Em São Sebastião, o ringue foi armado em consenso com a opinião pública, que ainda tenta descobrir o paradeiro dos R$75 mil. De um lado, os ativistas que apoiam a causa animal, e que, apesar dos poucos recursos, muitas vezes arcam com as despesas e anseiam por incentivo por parte da prefeitura. Do outro, a prefeitura de São Sebastião, que através de sua assessoria afirmou que o dinheiro “está empenhado” e que o programa foi suspenso pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente por 130 dias – no caso até o mês de novembro – “para que uma nova estratégia seja elaborada com o objetivo de realizar uma execução mais efetiva do projeto”. A prefeitura afirmou ainda que, após esse prazo, o convênio poderá ser executado regularmente.
Segundo relatos, o edital número 12.2015, de 03 de junho de 2015, com pregão marcado para o dia 18 do mesmo mês e publicado no site da prefeitura de São Sebastião, não aconteceu por falta de veterinários interessados.
Para o veterinário José Mauro Dias, 60, radicado em São Sebastião há mais de 20 anos, com 40 anos de atuação na área, esse convênio é importante, mas o problema mesmo é a “inversão de prioridades” que acontece na cidade. “O maior problema não é você tratar de cachorro, e sim tratar de gente. Depois que ele [prefeito]resolver o problema da saúde humana, ele pode pensar na saúde animal”, analisou.
“O estado destina a verba para isso [cuidar dos animais], só que não chega ao destino principal, este é o problema. Vão criar mais um meio para o desvio de verba e não vai resolver o assunto”, disparou José Mauro.
A dona de casa Rita de Cássia, 48, é uma das interessadas no imbróglio. Maria, sua cadelinha yorkshire de 4 anos, tratada como filha, não imaginava que ganharia um “irmão”. É que Rita, mesmo com orçamento baixo, adora animais, e se comoveu com a história do “cão sem nome”. “Ele estava jogado na rua, ferido, com febre, quase perdendo uma das patas traseiras. Lá [perto da rodoviária] todo mundo olhava, até o pessoal da prefeitura e ninguém fazia nada”, afirmou Rita, que está feliz pela recuperação do animal. O próximo passo é doá-lo. “Ele é muito dócil. Seria ótimo se existisse um espaço público que tratasse deles”, disse.
Sociedade Civil
A ONG Companhia das Patas, que desde sua fundação já realizou por volta de 5 mil castrações, tem na presidência Ana Lúcia Pereira. Mesmo sem sede, a ONG continua oferecendo apoio a animais desprotegidos, graças ao voluntariado.
“Nosso foco principal é a castração, temos veterinários parceiros; claro que também ajudamos em outros casos, como atropelamentos”, diz Ana Lúcia.
A Companhia das Patas também realizou feiras de adoção e hoje desenvolve os chamados “lares temporários”, famílias que abrigam, cuidam e dão carinho até que o animal se restabeleça para ser adotado.
Sobre o suposto desaparecimento do dinheiro, a presidente da Companhia das Patas disse que “infinitas e infrutíferas reuniões foram realizadas entre os protetores de animais, nós da Companhia das Patas e representantes da prefeitura”. “Posso afirmar que não existe o menor interesse da prefeitura na realização de campanhas de esterilização”, desabafa Ana. “O único que nos deu apoio foi o vereador Reinaldinho Moreira, que conseguiu uma audiência com o senhor secretário de saúde, que muito prometeu e nada fez”, diz Ana, que lamenta não poder disputar a licitação por ser uma entidade sem fins lucrativos.
Para Rosana Lobo, da Sabu (Sociedade Amigos da Barra do Una), o maior medo é a falta de respostas. “Ninguém sabe exatamente como está a coisa”, diz. “Precisamos, merecemos e queremos esclarecimentos”, finalizou.
Representante do Povo
O vereador Reinaldinho Moreira disse que “está fazendo acompanhamento junto ao Governo do Estado para saber o real posicionamento de onde está essa verba”. Ele afirmou que, na semana passada, esteve com o secretário de saúde Urandy Leite cobrando esclarecimentos e questionando a “morosidade” com que o caso é tratado. Moreira disse que “achou estranho”, em um primeiro momento, a verba estar empenhada. Porém, segundo ele, existe um documento que comprovaria esse suposto empenho.
Na tarde desta sexta-feira (31), o vereador Reinaldinho aguardava o recebimento do tal documento, mas até o fechamento desta reportagem não o havia recebido. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente também não retornou a solicitação de entrevista do portal Tamoios News.