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Enfrentando preconceitos e quebrando tabus, jovem cadeirante de Caraguatatuba tem decisão consular revertida e embarcará em julho para estudar na Austrália

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Segundo ela, o preconceito é um dos grandes desafios para quem já enfrenta outros problemas de locomoção devido as regiões não planejadas e acessíveis à cadeirantes

Por Ricardo Hiar, de Caraguatatuba

 

Jovem, bonita, formada em duas faculdades. Ela trabalha, dirige, tem o objetivo de crescer profissionalmente e realizar um intercâmbio no exterior. Essas são algumas características da moradora de Caraguatatuba, Thaís Mussio Veloso, 25 anos. Apesar de toda qualificação, que vem conquistando com empenho ano após ano, não é difícil que ela seja vítima de preconceito, muitas vezes velado, e rotulada por um outro aspecto de sua vida: ser cadeirante.

Segundo conta, os problemas de quem depende de uma cadeira de rodas para se locomover, vão além da falta de estrutura e acessibilidade. No caso dela, como consegue desenvolver atividades como dirigir, o preconceito chega a ser maior. Isso porque muitas pessoas, ao verem estacionando, já a julgam como se estivesse querendo tirar vantagem de um direito que não tem.

“Já tive que brigar com a Dersa, porque fui ofendida pelo funcionário, ao entrar na fila preferencial balsa. Mesmo estando com a credencial, ele não acreditou que eu era cadeirante. Isso vive acontecendo. Já brigaram comigo por parar em vaga de deficiente também”, comentou.

Thaís é uma jovem vaidosa e esse também é um fator alvo das atividades preconceituosas. “Não sei quantas vezes já ouvi as pessoas falarem ‘nossa, uma moça tão bonita na cadeira de rodas, que triste”. Segundo ela, o problema é que dá impressão que, por ser considerada uma moça bonita, e andar bem arrumada, ela não pudesse ser cadeirante, pois com isso estaria numa condição inferior às outras pessoas.

Um dos casos mais recentes do preconceito vivido por Thaís, ocorreu quando ela decidiu que faria um curso fora do país. Com o convite de um amigo, que já mora na Australia, ela não pensou duas vezes: organizou tudo, buscou uma agência, escolheu onde estudar e o tempo que ficaria fora, teve a informação sobre as características do país que é mais plano e acessível. 

Tudo parecia perfeito, até que, ao passar por uma das fases do processo – uma consulta médica, novamente viu os planos desabarem e o preconceito bater à porta. Ela teve o visto negado, porque o médico que a atendeu, sem qualquer exame mais específico ou laudo, emitiu parecer contrário à viagem. O consulado da Austrália, por sua vez, negou o visto, alegando que ela não tinha o perfil de migrante aceitável.

“Eu achei estranho a maneira como ele me atendeu. Ele nem pediu exames. Depois do atendimento, disse que era para eu aguardar a resposta, até que tive a informação, pela agência, que estava negado”.

Detalhe é que essa não seria a primeira viagem internacional de Thaís. A jovem leva uma vida normal. A única diferença é que precisa de um atendimento especial no embarque, devido à utilização da cadeira de rodas.

“Já viajei outras vezes, não tenho qualquer problema com esse tipo de situação. Então foi triste e ao mesmo tempo revoltante, ver a atitude deles em relação ao meu pedido”, comentou a jovem.

No laudo do médico, ele apontou que a caraguatatubense precisaria de transporte especial e uma serie de outros cuidados, além de ter problema de bexiga. “Não fez qualquer sentido o que ele falou. Como poderia falar que eu tinha problemas e saúde, sendo que nem fiz exames? Sem contar, que meu objetivo é apenas estudar e teria obrigatoriamente o seguro saúde, ou seja, numa emergência, não geraria custos para a Austrália”, explicou.

A reviravolta

A notícia veio como uma bomba para a jovem, que ficou cheia de interrogações. “Eu chorava incansavelmente. Fui e voltei de São Paulo chorando. Não tinha sentido, eu não poderia ser privada de algo por ser considerada incapaz”, completou.

Mas segundo conta, resolveu seguir a vida e desistir desse plano. Legalmente, não teria o que fazer, não daria para contestar uma decisão do consulado. Então ela pediu para que a agência fizesse o reembolso, o que representaria perder dinheiro, já que muitas taxas não são devolvidas. Ainda assim, a equipe da agência disse que iria tentar alguma alternativa.

Cerca de dez dias depois, Thaís resolveu usar as redes sociais para fazer um desabafo e contar a história. Em seu post, ela falou sobre todo o trâmite e como teve um sonho interrompido, simplesmente por sua condição como cadeirante. “Não esperava mudar nada com isso, mas tive vontade de desabafar e fazer com que outras pessoas soubessem disso e até, não passassem pelo mesmo que passei”.

O que ela não esperava, porém, era a repercussão do post. Depois de poucos dias, havia mais de cinco mil compartilhamentos da publicação. O caso chegou na ONU (Organização das Nações Unidas), no Itamaraty. O resultado disso? Sem explicações ou qualquer pedido de retratação, dias depois a agência recebeu um outro e-mail do consulado australiano. Dessa vez, o visto de Thaís Mussio estava aprovado e ela poderia embarcar, conforme o previsto.

“Eu já não queria mais. Perdi o encanto dessa história, mas como deu certo, e tive o apoio de tantas pessoas, vou em frente e embarco dia 19 de julho. Vou ficar por lá oito meses e estudar Liderança em Gestão. Agora estou um pouco perdida, porque quando o visto foi negado eu parei tudo, interrompi os planos, deixei de preparar tudo.”, completou.

O dia em que tudo mudou

A vida de Thaís Mussio Veloso deu uma reviravolta quando ela apenas tinha 16 anos. Foi no auge da adolescência, cursando o ensino médio, que passou por uma experiência que mudou tudo e precisou reaprender a viver. Isso porque, o que era para ser um dia de comemoração e confraternização de fim de ano, transformou-se num divisor de águas na vida da garota. 

Foi nesta ocasião em que, assim como outros amigos e familiares, ela resolveu entrar na piscina de forma mais aventureira, utilizado uma tirolesa instalada num centro de lazer no bairro Massaguaçu, onde uma festa acontecia. O problema é que ela caiu antes de chegar na água, bateu no chão, teve uma fratura grave. A partir daí perdeu os movimentos do tronco e pernas.

A jovem ficou um longo período sem poder sair de casa e passou a precisar de uma cadeiras de rodas para se locomover. Apesar disso, mesmo com a intensa rotina de reabilitação, com fisioterapia, continuou sua vida normalmente e não desistiu de seus ideais. Thaís não parou de estudar e no ano seguinte ao acidente concluiu o ensino médio.

Depois ingressou na faculdade, onde cursou Gestão e Contabilidade. Hoje, ela atua como contadora e também presta serviços na empresa do pai. 

Sobre o comportamento das pessoas em relação às quem tem algum tipo de deficiência, ela diz ser um problema crônico, que ainda deve demorar a passar. Quando se depara em situações assim, diz que o modo como reage varia. “Às vezes dá raiva, vontade de revidar de alguma forma ou simplesmente ficar quieta. Mas não tem como negar que a gente absorve tudo isso. Faz mal, vem tudo a tona cada vez que acontece”, contou.

Ainda assim ela acredita que as coisas podem melhorar e prefere focar nas coisas boas e continuar com seus planos e sonhos. “Não posso negar que já pude contar com o apoio de muitas pessoas, que existem muitas pessoas boas nesse mundo, mas infelizmente o preconceito ainda é muito grande”, finalizou.

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