Política

Um patrimônio público cultural de portas fechadas

Tamoios News

Um patrimônio público cultural de portas fechadas, construído em local inadequado. Artistas que foram da indignação à revolta, e da revolta à desesperança. Um imbróglio que envolve duas gestões e inúmeras trocas de acusações. Um povo sem local para vivenciar a cultura. E um final imprevisível que só será resolvido na justiça, sabe-se lá quando.

Parece a trama de uma obra teatral. Não é. Mas se fosse, a única certeza é que ela não poderia ser apresentada no Teatro Municipal de Ubatuba, fechado desde janeiro de 2013 por irregularidades na construção, após um custo de R$ 10 milhões aos cofres públicos. Inicialmente orçado em R$ 3 milhões, o teatro foi erguido no prédio onde ficava o antigo cinema, fechado há muitos anos pela onda que devastou os cinemas de rua do Brasil.
Ter um teatro desativado é um prejuízo financeiro e cultural incalculável. Entre os artistas, dois aspectos da história parecem formar consenso: a alta qualidade do teatro e a falta de interesse político em resolver o caso. As reclamações vão desde a falta de diálogo e transferência de responsabilidades entre órgãos e secretarias, até promessas rasas não cumpridas.

O diretor teatral Heyttor Barsalini conta que após um ano do fechamento do teatro, os artistas começaram a se mobilizar para cobrar satisfações e criaram uma comissão informal para tratar do assunto. Segundo Heyttor, as reuniões eram um festival de falta de informação e discursos vagos por parte de órgãos como ComTur, FundArt e também a prefeitura. “O Mauricio foi convidado para uma reunião e não apareceu”, diz o diretor. A diretora da Oficina dos Menestréis de Ubatuba, Luciana Chaer, confirma que a falta de diálogo tem sido a regra desde o fechamento do teatro. “Cada vez que a gente fazia uma reunião aparecia uma pessoa diferente. O prefeito nunca conversou com a gente. E isso continua até hoje. Há pouco tempo o João [Corbisier, atual secretário de Turismo] postou que o laudo ficaria pronto em 45 dias, o tempo já passou e cadê? Cadê a Prochaska [Cristina Prochaska, atual presidente da FundArt], que vive falando que é a favor da abertura do teatro, mas não sai de cima do muro?”, diz Luciana.

O espetáculo Noturno, de Luciana, conta com elenco formado por 40 atores de Ubatuba, mais a banda que acompanha a peça, composta por músicos também da cidade. O custo mínimo do espetáculo é de 8 mil reais. Luciana cita uma promessa feita pelo vice-prefeito Sérgio Caribé em 2014, que na época era também o secretário de turismo: “Encontrei com ele na rua e falei que ia trazer o Noturno pra Ubatuba, e é uma peça que eu dependo do teatro pra ensaiar. Perguntei: ‘o teatro vai abrir? Posso trazer essa peça?’ Ele falou: ‘pode, vai abrir em abril’. Eu trouxe a peça e o teatro não abriu”, conta. Luciana teve que alugar o teatro Mário Covas, em Caraguatatuba, onde fez duas apresentações lotadas. “Aqui daria pra fazer um mês em cartaz”, lamentou. “Sem contar o prejuízo cultural para um grande número de pessoas que nunca botaram o pé num teatro”, diz Bianca Galrão, sócia de Luciana na oficina dos Menestréis.

Barsalini diz não acreditar mais que o teatro será reaberto antes das eleições. Para o diretor, a maneira como a prefeitura vem conduzindo a história demonstra o que ele chama de “mentalidade de gincana”, em que um quer ver o nome aparecer mais que o outro. “Desde que essa gestão assumiu, há uma política pública clara de ’emburrecimento’ da população. Isso fica claro pela ausência de espaços públicos para manifestações artísticas”, dispara. “Quando o poder público nega o acesso da população a espaços destinados a manifestações artísticas, está negando a possibilidade de troca de ideias”, finalizou. No dia 18 de maio de 2014, houve uma manifestação dos artistas na praça em frente ao teatro. Foram mais de 5 horas de apresentações de dança, teatro, circo e música. Heyttor lembra que o povo lotou a praça, provando que o público existe. E está carente de espaços destinados à cultura. 

O outro lado
O nome que causa mais revolta entre os artistas é o de Robertson Martins, 53, assessor de relações federativas da prefeitura. No meio artístico, é comum ouvir declarações como: “Ele é o cara que não quer que o teatro abra” ou “Ele fechou o teatro com uma liminar”.

O assessor recebeu a reportagem do portal Tamoios News no gabinete da prefeitura, onde explicou com paciência todo o quiproquó que cerca o teatro e seu fechamento. Robertson rejeita as acusações de falta de diálogo ou de que a atual administração esteja fazendo uso político da situação, e explica que, para entender a situação, é preciso voltar no tempo.

O teatro foi construído durante a gestão do ex-prefeito Eduardo Cesar (DEM) a um custo total de R$ 10 milhões. Segundo o assessor, 50% deste valor (R$ 5 milhões) vieram de uma verba FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que é destinada para a Educação. Por isso o teatro recebeu o nome de Centro do Professorado.
A questão é que um centro do professorado tem uma estrutura diferente da de um teatro. E o TCE (Tribunal de Contas do Estado) reprovou as contas do projeto por detectar o uso de verba de educação básica para fins culturais, o que é proibido por lei.

O teatro foi inaugurado em 2012, ainda sob a gestão de Eduardo Cesar, e funcionou durante 6 meses. Foi fechado em janeiro de 2013, no começo do mandato do atual prefeito, Maurício Moromizato (PT), com o objetivo de regularizar a situação. Dentre as irregularidades apontadas, a principal diz respeito ao documento de conclusão de obra. “O uso do teatro em 2012 foi em uma obra não finalizada. A prefeitura pagou o valor total da obra, mas a construtora não terminou a construção. A obra ainda não está entregue formalmente, pois ainda existem pendências no contrato”, explica Robertson. “O problema não é só o A.V.C.B. (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros). O problema é o contrato de um prédio de R$ 10 milhões que não foi entregue”, diz.

O Corpo de Bombeiros constatou inúmeras irregularidades no prédio (como o sistema de exaustão e a tubulação dos hidrantes), e não concedeu o A.V.C.B. A Scopus Construtora alega que, se há irregularidades, elas foram feitas após a entrega da obra. A prefeitura levou o caso à justiça, que irá decidir se houve ou não alterações na construção original. Robertson assegura que não. A garantia que a prefeitura tem é justamente a inexistência do documento de conclusão de obra. E a única maneira de não perder essa garantia foi o fechamento do teatro para a realização de perícias técnicas supervisionadas pela justiça. “O sistema de detecção de fumaça, por exemplo, nunca funcionou. Mas se eu levo um eletricista da prefeitura e mando ele consertar, eu perco a garantia”, diz Robertson. As pendências, segundo o assessor, estão sendo apontadas e comprovadas, e a justiça pode decidir que a construtora termine os reparos, que custariam, hoje, entre 300 e 400 mil reais.

Sobre a liminar que teria causado o fechamento do teatro, e que rendeu tanta polêmica, Robertson tenta jogar um pouco de luz sobre os fatos. Ele explica que moveu uma Ação Popular em 23 de julho de 2012, no último ano de Eduardo César no comando. Antes, portanto, de assumir um cargo público e antes mesmo da eleição de Moromizato. O objetivo era impedir a inauguração do teatro em condições de risco. “Na época, como cidadão, entrei com uma ação popular para que [a obra] não funcionasse sem a devida legalização”, diz. Alguns trechos do documento alertam que “O empreendimento público não está em conformidade com as normas exigidas” pelo Corpo de Bombeiros. “O que se nota […]é a vontade política acima da lei […] ao programar uma agenda de grande concentração de pessoas mesmo sabendo que a obra está irregular”. De acordo com o documento, “A lesividade fica evidente, pois o prefeito municipal pretende com o seu ato inaugurar tal obra sem levar em consideração […] o fator segurança”.
Sobre as acusações de jogo político, Robertson é breve: “Não teria levado para a esfera jurídica se eu estivesse com picuinha. Se eu entro com uma denúncia vazia, eu tomo uma multa que trava o município”, diz.

João Corbisier, atual secretário de turismo, também se manifestou. “Pedi para o prefeito para acompanhar de perto a situação, porque é uma questão turística importantíssima para a cidade”, garante. “Tanto a prefeitura quanto a secretaria de turismo têm um interesse gigante em abrir o teatro. Porque é um vetor de desenvolvimento econômico do município, a gente consegue desenvolver não só a visibilidade do município para fora como consegue aumentar os nossos atrativos turísticos para trazer gente pra cá, além de gerar fluxo de renda para quem é do município”, diz o secretário. Perguntado sobre a situação do teatro, o atual prefeito, Mauricio Moromizato, sintetizou: “O que eu gostaria era de ter herdado ele aberto”. A impressão é de que Maurício e Robertson estão abatidos pelas críticas. Garantem estar trabalhando para regularizar tudo, e evitam estimar um prazo para a reabertura. Mas Moromizato confessa que está otimista. “Estamos muito mais perto de abrir hoje do que estávamos quando assumimos”, diz. “O legado maior é deixar de ser a terra do puxadinho, das coisas feitas pela metade”, finalizou.

Problemas e mais problemas
Não bastassem todas as dificuldades, ainda existe o embargo do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) ao prédio. A imensa construção de 2.428m2 e 450 lugares está encravada na Praça Exaltação da Santa Cruz, no centro, em área de bens tombados em âmbito estadual, como o Sobradão do Porto e o edifício Paço da Nóbrega. A falta de planejamento arquitetônico levou a antiga administração a erguer uma fachada toda em vidro e granito, em total desalinho com as exigências culturais do órgão estadual. O embargo não impede o teatro de funcionar. Mas serão necessárias reformas na fachada para adequações estéticas. Do contrário, o Condephaat pode pedir até a demolição do prédio, o que pode significar mais desperdício de dinheiro público.

 

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